Será esta uma questão científica ou não? Se pensarmos que o DNA é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento das células dos seres vivos, a questão que se levanta está em saber o que se entende, de facto, por “alma”.

A palavra alma na Bíblia é muitas vezes usada para designar a “vida humana” ou “a pessoa humana no seu todo”. No entanto, designa também o “princípio espiritual” do homem, aquilo que nos faz exactamente imagem de Deus, em oposição a corpo que se entende como a corporeidade material.

De qualquer forma o Catecismo da Igreja Católica clarifica o aparente dualismo corpo-alma com:

«A unidade da alma e do corpo é tão profunda que (…) o espírito e a matéria não são duas naturezas unidas, mas a sua união forma uma única natureza».[1]

Depois de termos clarificado que com “alma” queremos identificar exactamente o príncipio espiritual do homem, mas que corpo e alma são de tal forma uma realidade una, tal como é una a pessoa, fará então sentido falar de DNA na alma? Tomando o DNA como uma metáfora da “identidade” da pessoa, ou seja, como uma imagem daquilo que nos torna únicos, então, a resposta é sim.

Poderíamos terminar aqui, mas se continuarmos a leitura do Catecismo, o parágrafo seguinte diz que:

«A Igreja ensina que cada alma espiritual (…) é imortal, isto é, não morre quando, na morte, se separa do corpo; e que se unirá de novo ao corpo na ressurreição final.» [2]

Quais são então as questões que podem surgir com esta frase? Somos uma realidade una, mas no momento da morte existe uma separação entre corpo e alma, o que implica um dualismo entre corpo-alma. A alma é imortal enquanto o corpo decompõe-se na terra e espera a ressureição final, para se unir à alma, ou seja, por um lado existe um tempo de espera, um tempo de separação entre corpo e alma, por outro, será que se pressupõe que na base deste “de novo ao corpo” esteja a reagregação de todas as moléculas que nos compõem? Com todas as implicações físicas que isso comporta, ex. violação das leis termodinâmicas?

De qualquer forma nenhuma destas questões é, de facto, uma questão científica de “como” se explicam estas realidades, mas sim “porquê” pelo que devemos direccionar estas questões aos teólogos e não aos cientistas. Ratzinger, por exemplo evidencia, que as questões relativas ao fim dos tempos entendido como “para onde tende o universo?”, devem ser direccionadas aos cientistas, enquanto que compete aos teólogos responder às questões relativas à “parusia” ou “juízo final”[3].

Ao longo dos tempos, foram diversas as posições dos teólogos sobre a imortalidade da alma e a ressurreição da carne no “último dia”, de qualquer forma, partilho as ideias mais concensuais.

Ratzinger propõe que a imortalidade da alma «pretende transmitir uma ideia dialogal – diríamos de relação – que abrange o ser humano como um todo: a essência do ser humano, a pessoa continuará a existir»[4]. Mas como podemos pensar a permanência para a vida eterna da realidade corporal? Existe no momento da morte uma ressureição individual? Continua Ratzinger, «aquilo que amadureceu durante a existência terrena de espiritualidade corporificada e de corporalidade espiritualizada continuará a existir de outra maneira»[5]. Se pensarmos no valor da Eucaristia que sacraliza o corpo, na morte, o ser humano não se tornará alimento para a Terra?

Para explicar melhor como podemos então entender, por um lado a degradação do corpo e por outro a ressurreição, tomamos o texto de São Paulo:

«O que semeias não volta à vida, se primeiro não morrer. O que semeias não é o corpo que há-de vir, mas um simples grão (…). É Deus que lhe dá o corpo. (…) Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual. Se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual. (…) Vou revelar-vos um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados.»[6]

A semente que é enterrada morre efectivamente, desaparece, mas deixa de existir? Não, essa permanece embora transformada em flor. É um corpo-semente que gera um corpo-flor. O grão de mostarda do Evangelho não faz nascer oliveiras, mas uma árvore de mostarda. Podemos pois dizer que a identidade é preservada mas “visivelmente” transformada.

E que dizer do sentido teológico do “tempo de espera”? Ratzinger avança que «o seu sentido é dizer aos seres humanos que eles continuarão a viver, não devido ao seu próprio poder, mas porque são de tal forma conhecidos e amados por Deus que Ele não permite que eles pereçam»[7]. Faz por isso sentido pensar em dois momentos distintos do ponto de vista teológico.

Uma concepção complementar é aquela que atribui à existência da pessoa, o seu ser relacional, para além de individual, pelo que o fim da história de um ser humano não pode terminar com a sua própria história. Essa pessoa, cada um de nós, é geradora de relacionamentos, como exprime o teólogo Franz-Josef Nocke: «a ressureição da carne significa que a história da vida da pessoa e todos os relacionamentos estabalecidos no decurso dessa história entram junto na consumação e pertencem finalmente à pessoa ressuscitada»[8]. Assim, reforça Ratzinger que «todos aqueles que morrem mantêm uma relação com o processo de ‘dever ser’ [becoming] no interior da história»[9]. Pensar a imortalidade da alma, não é mais do que pensar a imortalidade da «capacidade do homem para a relação com a verdade, com o amor eterno, a verdade e amor a que chamamos Deus e que dá ao homem a eternidade»[10]. No contexto escatológico (fim dos tempos) este “tempo de espera” da ressurreição individual-comunitária pode ser entendido como um “já, mas não ainda”.

A metáfora que o teólogo Bernard Prusak usa exprime ainda a ideia que: «a ressureição depois da morte, o entrar em comunhão com Deus é “a melodia” da vida de cada pessoa individual. O refrão dessa melodia irá continuar a ressoar durante cada “início” e “evoluir” da História humana, tomando sempre novas tonalidades. (…) Com a ressureição final, a melodia até aí incompleta, integrará a sinfonia da história e da criação (…) cada um experimentará a sinfonia completa de todas as histórias»[11].


[1] Catecismo da Igreja Católica, 365.

[2] Ibid. 366.

[3] Joseph Ratzinger (2005) Introdução ao Cristianismo, Principia, p. 258.

[4] Ibid.

[5] Chiara Lubich (2004) Um Caminho Novo, Cidade Nova, P. 120.

[6] 1 Cor 15, 36-51

[7] Joseph Ratzingher (2005) opcit.

[8] Franz-Joseph Nocke (1982) Eschatologie, Dusseldorf, Patmos, p. 123.

[9] Joseph Ratzinger (1988) Escathology: Death and Eternal Life, Dogmatic Theology, 9, p. 111.

[10] Ibid. p. 259.

[11] Bernard Prusak (2000). Bodily Resurrection in Catholic Perpectives, Theological Studies, 61, p. 105.