Surgiu recentemente um livro no panorama literário português sobre o assunto “Experiênca de Quase Morte – Relatos Verídicos” (Ésquilo) que, curiosamente, se encontra mais nas prateleiras do esoterismo do que naquelas onde estivessem também livros sobre cognição e consciência. Será esta uma questão esotérica? 
  A motivação para este livro penso ter sido o trabalho sério que tem vindo a realizar o cardiologista holandês Pim van Lommel. 

Em 1988 Pim van Lommel (http://www.pimvanlommel.nl/eng/) iniciou um estudo com 344 sobreviventes de paragens cardíacas em dez hospitais holandeses. Isso levou-o a aprofundar as Experiências de Quase-Morte (Near-Death Experience, NDE) e verificou que o estudo científico das NED empurra-nos para os limites das ideias médicas e neurofisiológicas acerca do alcance da consciência humana, bem como da relação mente-cérebro. Uma experiência tipicamente próxima da morte é:
Eu estava a olhar para baixo, para o meu corpo a partir de cima e via os médicos e enfermeiras a lutar pela minha vida. Eu podia ouvir o que eles diziam. Depois tive um sentimento confortável e encontrava-me num túnel. No fim do túnel havia uma luz brilhante, quente, branca e vibrante. Era lindo. Deu-me um sentimento de paz e confiança. Flutuei em direcção a ela. O sentimento confortável tornou-se cada vez mais forte. Sentia-me em casa, amado, quase extático. Via a minha vida diante de mim num flash. Subitamente, mais uma vez, senti a dor do acidente e voltei para o meu corpo. Estava furioso que os médicos me tivessem trazido de novo.

Os resultados do estudo que procurava estabelecer a causa deste tipo de experiências e avaliar o factores que afectavam a sua frequência, profundidade e conteúdo, foram pela primeira vez publicado em 2001 (Lancet, vol. 358, pp.2039-45) e dos 344 pacientes com paragens cardíacas, 18% passaram por uma experiência próxima da morte, dos quais 12% descreveram-na com mais detalhe. Assumindo como possível a definição de morte clínica (que pode ser um assunto controverso), o estudo aponta para a necessidade de discutir o conceito de que a consciência e memória estejam localizadas no cérebro. Pergunta van Plommel: “Como pode uma consciência lúcida fora do corpo de alguém experimentar, no momento em que o cérebro não está a funcionar durante o período de morte clínica com um ECG de traçado contínuo?” A hipótese de que uma NDE seja um “estado de consciência (transcendência), no qual a identidade, cognição, e emoção funcionam independentemente de um corpo inconsciente, mas retendo a possibilidade de percepção não-sensorial” não deve ser posta de parte, devendo ser incluída, por sugestão de van Plommel, como parte da explanação do enquadramento destas experiências. Aliás, como ele próprio afirma: “A ciência, acredito eu, é a busca da explicação de novos mistérios, em vez que nos ficarmos pelo factos antigos ou conceitos”. Claramente um trabalho muito interessante, e no qual se percebe a linha ténue entre a ciência e a reflexão filosófica, abrindo espaço – do meu ponto de vista – também para a reflexão teológica através da filosofia que procura ler o que é conhecimento antigo à luz do novo e assim aproximarmo-nos da “verdade”.

Num artigo mais recente (van Lommel, World Futures, 62: 134-151, 2006) afirma van Lommel que pelo facto de estarmos ligados às memórias, emoções e consciências de outras pessoas, durante uma NDE é possível entrar em contacto com campos da consciência de pessoas falecidas, pra além do nosso campo, salientando a sua interconectividade e expressando a importância das relações que estabelecemos. Separados de um corpo sem vida, retida a nossa identidade e uma consciência lúcida com a capacidade de percepção, as experiência próximas da morte indicam que o ser humano parece ser mais do que meramente um corpo material. Quererá isso dizer que precisamos de redefinir o entendemos por morte? Ou teremos de redifinir o que entendemos por corpo? E no meio disto tudo, em que ponto fica o conceito de consciência se deixa – aparentemente – de depender da actividade cerebral?