Podem as universidade Católicas fomentar o diálogo entre ciência e fé? [1]
Esta é a questão que Ilia Delio aborda e que vale a pena considerar no futuro próximo.
«Quando comecei a lecionar em 1996, fui contratada pelo Trinity College em Hartford, Connecticut, para dar aulas num curso sobre ciência e religião. Uma vez que possuia graus académicos em ambas as áreas, senti-me bem preparada, mas logo aprendi que a quantidade de literatura sobre a relação entre estes dois tópicos havia aumentado enormemente. A taxa de crescimento do progresso científico no nosso tempo é impressionante. Os rápidos avanços na tecnologia fazem com que seja difícil manter-se a par dos progressos em áreas como a genética, a robótica, a biologia molecular e a neurociência. Descobertas na astronomia, cosmologia e na física continuam a revelar um universo que é antigo, dinâmico, interligado e em expansão.
     Ao mesmo tempo que a tecnologia avança a um ritmo exponencial, impulsiona também outras áreas da vida moderna a acelerar exponencialmente. A rapidez da mudança tecnológica, escreve o filósofo Nick Bostrom, sugere que a inovação contínua terá um impacto ainda maior sobre a humanidade nas próximas décadas. Com essas mudanças vêm novas questões morais e religiosas, e a Igreja Católica precisa de teólogos dispostos a enfrentá-los. Infelizmente, poucas universidades católicas têm dedicado os seus recursos à educação de teólogos dispostos a envolver-se com o mundo científico. Esta é uma perda para ambas as disciplinas académicas.
     Se a cultura secular e científica se comporta como um coelho, saltando sobre vastas áreas da descoberta e da invenção, a Igreja Católica muitas vezes comporta-se como uma tartaruga, subindo por detrás, hesitantes em aceitar as novas descobertas científicas. O ritmo lento da igreja em abraçar a ciência não é por causa de um papa hesitante. Bento XVI tem trabalhado para ligar as duas disciplinas, estabelecendo dentro do Vaticano, no âmbito do Conselho Pontifício da Cultura, um departamento dedicado ao diálogo entre ciência e teologia. O papa emitiu várias declarações sobre as ciências e o seu impacto sobre a humanidade e a terra, e manifestou à juventude católica o seu apoio às novas tecnologias informáticas, quando usadas corretamente, para se coligar com outras pessoas. Entretanto, em geral, muitos teólogos estão relutantes em abordar os desenvolvimentos na ciência. Não ajuda o facto de, no interior das universidades, a teologia ter sido isolada das ciências.
     A mecanização e a especialização do ensino superior tornou a universidade uma multiversidade. Em vez de educar os alunos para conhecer o universo e as estrelas “juntos como um só”, as disciplinas académicas, incluindo a teologia e a filosofia, tornaram-se altamente especializadas, bem como campos competitivos. Se a igreja moderna está relutante em abraçar ideias da ciência moderna como parte integrante da revelação, parte da hesitação pode ser devida ao lugar que a teologia tem dentro da academia.
     No seu livro The Soul of the American University, o historiador George Marsden conta como e quando, em geral, o ensino superior se tornou hostil à religião. Na década de 1920, muitas universidades, apesar das suas raízes religiosas, cresceram cada vez mais como seculares, deixando de lado, ou mesmo desprezando, a religião. A separação entre ciência e campos das humanidades como história, religião e literatura criou um modelo de vida universitária, que não permitiu qualquer papel positivo para as pessoas religiosas, instituições e ideias dentro do campus. A religião tinha de se deixar à porta ou privatizá-la. Como resultado disso, os alunos não aprendem a ligar a ciência com as áreas de significado e valor. Elaine Ecklund, uma socióloga da Universidade de Rice e autora de Science vs. Religion: What Scientists Really Think, sugere que, separando a religião do resto do ensino universitário, a universidade norte-americana perdeu sua alma.
UMA RELAÇÃO DIFÍCIL
A igreja tem sido um patrono das ciências ao longo dos tempos, embora não de forma consistente. Grandes eventos como o caso Galileu e a ascensão do protestantismo “causou um trauma psíquico para a Igreja”, escreve Peter Hess e Paul Allen em seu excelente livro Catholicism and Science. Embora a igreja não feche a porta à investigação científica, eventos como esses também sufocaram a abertura às inovações científicas.
     A Teologia, no entanto, entrou no século XX como um conjunto fechado de discursos neo-tomistas, com as perguntas e regras estabelecidas pela filosofia neo-escolástica, com poucas (se houver sequer) fontes intelectuais ou culturais diversas, diz Paul Crowley SJ, responsável dos estudos religiosos na Universidade de Santa Clara, o que não é coerente com os esforços do Papa em apoiar a investigação científica. Ainda assim, em 1930, o Vaticano tinha mudado o seu observatório astronómico da cidade de Roma para Castel Gandolfo e equipou-o com equipamentos modernos. Em 1979 estabeleceu a Academia Pontifícia para as Ciências, demonstrando o compromisso da Igreja em relação à pesquisa científica. “A AcademiaPontifícia “, declarou o Papa João Paulo II, “é um sinal visível, emergente entre os povos do mundo, de uma harmonia profunda que pode existir entre as verdades da ciência e as verdades da fé.”
     Alguns teólogos têm trabalhado para ligar essas verdades. Karl Rahner SJ, não se coíbe de explorar as ligações entre a matéria e a alma (ver Fisher, 2008), ou de considerar as implicações teológicas da vida em outros planetas (ver Fisher & Fergusson, 2006). Um outro padre jesuíta, Bernard Lonergan, baseou-se no método científico para desenvolver um método da teologia. Hoje, alguns teólogos católicos (como John F. Haught) entram em contacto com as ciências para iluminar áreas da teologia sistemática, como a ação divina, enquanto outros (como Denis Edwards) estão a tentar
aprofundar a visão teológica sobre questões de ecologia, como as alterações climáticas. Mas, em geral, a teologia católica continua a ser um produto de ideias agostinianas, tomistas e aristotélicas. Poucos teólogos católicos debatem-se com as ciências nos seus próprios termos, como meio de reflexão teológica.
     No final do século XX, apesar da teologia ter entrado em diálogo com a pluralidade cultural de género, raça, história e filosofia, assentou no sistema universitário como um silo académico, assim como as ciências se isolaram em disciplinas especializadas. Religião e ciência tornaram-se mais distantes.
     Os estudantes de Teologia são treinados em departamentos independentes de uma maior integração com as ciências na universidade. Como resultado disso, de acordo com William Stoeger SJ, do observatório do Vaticano, “há poucos teólogos ou filósofos teologicamente interessados nas universidades onde o trabalho científico mais significativo é feito.” Até a reunião anual da Sociedade Teológica Católica da América, onde é dada atenção às grandes correntes na teologia, não demonstra muito envolvimento com as ciências. Das suas 16 áreas temáticas de discussão, apenas uma é dedicada a teologia e as ciências naturais.
     No seu livro Religion and Science, Ian Barbour prevê quatro tipos de relações entre ciência e religião: conflito, independência, diálogo e a integração. Enquanto os cientistas tendem a ver a relação entre as duas disciplinas como um conflito ou relação de independência, os teólogos, quando interessados nestas matérias, tendem para o diálogo e para a integração. Sem dúvida que a ciência e a religião são disciplinas independentes, cada uma com a sua própria linguagem, métodos e ferramentas de análise, mas a estrutura académica manteve-as intelectualmente, bem como espacialmente, separadas.
     Reformar essa estrutura para promover o diálogo é fundamental, pois a linguagem científica é técnica e objetiva, e as descrições de descobertas científicas não convidam facilmente os estudantes de teologia à discussão sem um professor. Ambas as disciplinas apresentam desafios únicos, mas não é difícil entender porque razão um teólogo possa mais facilmente aprofundar as teses familiares de São Tomás de Aquino do que as fórmulas de Albert Einstein que lhe são desconhecidas, ou porque o inverso possa ser verdadeiro para os cientistas. Os cientistas que estão interessados na religião ou crença religiosa expressam muitas vezes como têm pouca oportunidade na academia para discutir religião no que se refere ao seu trabalho. Algumas universidades, como a de Santa Clara, estão a fazer um esforço combinado para envolver cientistas e teólogos na discussão sobre o significado e valor, mas as iniciativas são raras.
O PAPEL DA UNIVERSIDADE CATÓLICA
A expressão “imaginação sacramental católica” tem sido usada para o ponto de vista tipicamente católico de que o mundo material pode trazer as pessoas a um relacionamento de intimidade com Deus. A expressão capta o coração da tradição intelectual católica, que está enraizada na riqueza do universo material como uma morada apropriada para o divino. Embora a Igreja reconheça a importância da ciência para o desenvolvimento da fé, também reconhece os limites da ciência como o horizonte último do sentido. O valor da ciência, escreveu o papa João Paulo II, é que pode “purificar a religião do erro e da superstição”, assim como “a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos”.
    Embora a igreja continue a ligar a ciência e a religião, a importância deste diálogo para a vida de fé não pode ser deixado apenas para a igreja institucional. Os teólogos são necessários para refletir sobre as grandes questões de significado e propósito, à luz da evolução, ecologia e da tecnologia, bem como comentar sobre as questões morais suscitadas, especialmente pelas ciências biomédicas. Ciência e religião realizam as suas melhores contribuições quando cada um pode falar com os outros sobre a verdade da realidade. Como Paul Crowley SJ, observa: “Se a teologia não pode tomar parte de uma cultura que foi moldada pelos paradigmas da ciência, então a própria teologia está em risco de auto-marginalização.” Essa “não tem voz à mesa das importantes questões que a humanidade enfrenta hoje” e torna-se um exercício de história e hermenêutica. Por outro lado, a ciência desenfreada pode tornar-se “cientismo”, fazendo amplas afirmações filosóficas sem o desenvolvimento dos devidos fundamentos.
     As universidades católicas devem tornar-se líderes na integração entre ciência e religião. John Haughey SJ, escreve que a tradição católica intelectual é uma das que constrói “todos”. No entanto, poucas universidades católicas oferecem cursos ou programas de ciência e religião, e das que atraem relativamente poucos estudantes, nem todas estão devidamente preparadas para tais discussões.
     Há vários anos, um colega e eu iniciámos um programa de certificação em religião e ciência na Washington Theological Union, uma escola de teologia e ministério em Washington DC, mas o programa acabou por ser interrompido por falta de interesse dos alunos. Na Universidade Gregoriana de Roma, Gennaro Auletta e seus colegas desenvolveram um programa chamado Ciência e a Busca Ontológica, responsável pela coordenação de cursos de ciência e religião em seis universidades pontifícias romanas. Embora apenas um pequeno número de seminaristas estejam a frequentar esses cursos, o envolvimento dos seminaristas no diálogo entre a ciência e religião pode ser uma das necessidades pastorais mais cruciais do nosso tempo.
     As universidades católicas precisam de um fortalecimento do imaginário católico, para o qual o diálogo entre ciência e religião é uma fonte enriquecedora. A teologia não pode continuar a desenvolver-se à parte da cosmologia do século XXI e da ecologia, nem a ciência pode substituir a religião. O diálogo entre ciência e religião tem vindo a desenvolver-se nas últimas décadas, mas as universidades católicas têm sido lentas no suporte deste enriquecimento mútuo. O desenvolvimento de estruturas colaborativas de interação entre ciência e religião ao nível universitário pode beneficiar alunos e professores da mesma forma, não só academicamente, mas também espiritualmente. Embora a atual estrutura de especialização académica torne difícil o diálogo como parte integrante da vida universitária e do pensamento, as universidades devem apoiar centros existentes de diálogo, como o Woodstock Theological Center da Universidade de Georgetown. Centros como este servem de construtores de pontes e integradores, reunindo professores, estudantes e profissionais de todas as disciplinas.
     Restaurar a alma à universidade pode exigir uma re-imaginação da educação, incluindo a busca de novas formas de desenvolver o diálogo entre ciência e religião. O desenvolvimento deste relacionamento pode enriquecer a vida pessoal, comunitária e do planeta. Como escreveu João Paulo II: “As
coisas da terra e as preocupações da fé têm a sua origem no mesmo Deus”, pois é um só e o mesmo Amor “que move o sol e as outras estrelas.” Tanto a luz da fé, como as intelecções da ciência, podem ajudar a humanidade a evoluir, rumo a um futuro mais sustentável.»
Ilia Delio, OSF, é investigadora do Woodstock Theological Center na Universidade de Georgetown, onde se concentra na área da ciência e religião.

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