Desde 2004 que a Editora Bizâncio publicou a tradução em português de um livro com algumas ideias, no mínimo originais e excêntricas (muitas na base do livro “A Fórmula de Deus” de José Rodrigues dos Santos), acerca do que se espera para o fim do Universo. Frank Tipler, cientista americano e professor de Física Matemática na Universidade de Tulane em New Orleans (EUA), propõe-nos a Teoria do Ponto Omega. A origem do nome está em Teilhard de Chardin, sacerdote jesuíta e paleontólogo que identificava Cristo com o ponto Omega, mas este significado não é o mesmo para Tipler. Nesse livro podemos ler ideias, tais como, «o Universo é um grande programa informático» que no futuro, juntamente «com todas as estrelas e planetas extinguir-se-ão quando acontecer o “inevitável colapso”». Ora, «a vida adquirirá formas não biológicas e expandir-se-á por todo o Universo». E mesmo quando perecer a espécie humana, «robôs do futuro serão os nossos “melhores descendentes, capazes de superar, com vantagens, as nossas maiores proezas históricas, tanto intelectuais, como tecnológicas e até emotivas”…».
Segundo Tipler, o colapso do Universo irá acontecer num ponto, o Ponto Omega. Ponto que considera como «um “ser pessoal e omnisciente” e identifica-o com o Deus das diversas religiões.» Quando o Universo colapsar no ponto Omega, será esse o «momento que “devolverá a vida a todos os seres humanos que existiram e que deveriam ter existido e que ficaram em alguns dos universos múltiplos”». Aqui, Tipler associa a sua teoria física ao fenómeno da ressurreição dos mortos que «ocorrerá em “fracções infinitesimais do segundo antes do fim do Universo”. Acontecerá no “espaço virtual do ordenador universal do futuro [que] Tipler chama a “mente de Deus”.» No seu livro, “A Física da Imortalidade”, ainda podemos encontrar mais quatro das muitas outras ideias desta teoria: 1) a ideia de que o Ponto Omega, ou Deus, é «um facto consumado, é um ser que hoje está em processo de existir e que só alcançará a sua plenitude no final dos tempos»; 2) «a vida é uma forma de processamento de informação, ou (…) informação preservada pela selecção natural»; 3) «a mente humana – e a alma humana – é um programa de
computador muito complexo»; e por fim, 4) «pessoa é definida como um programa de computador que passou no teste de Turing[1]». Com esta teoria, Frank Tipler afirma que a Teologia passaria a ser um ramo da Física. Este ‘bizarro’ livro inicia os portugueses no conhecimento da polémica, desencadeada por esta teoria (ainda não comprovada), entre cientistas, filófosos e teólogos.
Que leitura se pode fazer desta teoria? Será que ela aumenta o suposto fosso entre ciência e fé, ou pelo contrário, aproxima-o? Wofhart Pannenberg, conhecido teólogo alemão, saúda positivamente esta “provocação” de Tipler e considera-a um «contributo importante para as relações entre ciência e teologia». Simon Phoenix, cientista da British Telecommunications Laboratories, afirma que ao apresentar estas «ideias com toda a autoridade e arrogância, Tipler causa uma impressão ilusória do status científico do seu trabalho». Para Donald York, cientista e professor de astronomia e astrofísica da Universidade de Chicago, «na Teoria do Ponto Omega existe material suficiente para levar uma ofensa intelectual a muitas pessoas». Frank Birtel, matemático e especialista em matéria judaico-cristã da Universidade de Tulane, considera a «Teoria do Ponto Omega a melhor tentativa, oferecida até agora, de integrar a ciência e a religião.»
De facto, a Teoria do Ponto Omega entra no diálogo científico-teológico por ser uma escatologia física. É uma escatologia porque se refere aos “últimos tempos”, e é física porque se baseia somente em critérios físico-teóricos. Uma leitura desta escatologia de Tipler, que se diz próxima da teologia cristã, é feita por Sergio Rondinara, físico e filósofo italiano, em que são apontadas algumas considerações sobre os conceitos Tiplerianos de ressurreição e indivíduo. Rondinara afirma que «no conceito cristão de ressurreição é essencial haver uma relação pessoal do Criador para com as suas criaturas, que Ele conhece no seu modo de agir, as suas histórias pessoais e as eleva a Si.» O que significa que «devolver à vida» todos os humanos que existiram, ou deviam ter existido implica todos os seres humanos possíveis e imaginários, inclusivé «também uma pessoa que nunca tivesse existido.» Ora, numa descrição do género, a história humana é esvaziada do seu significado (…), não se podendo verificar se se trata de uma ressurreição autêntica.» Quanto à noção de indivíduo, reduzindo a pessoa à sua funcionalidade relativamente à história da espécie humana, e reduzindo a espécie humana à sua funcionalidade na história da evolução cósmica, retiram à pessoa, e à espécie, o «significado do seu agir moral, a sua liberdade e, consequentemente, a realidade pessoal de cada ser humano».
Pannenberg comenta faltarem na teoria três aspectos fundamentais: o livre arbítrio de Deus; Cristo e a incarnação; e a vitória sobre o mal. Sobre estes aspectos, Tipler não faz qualquer referência, ou não desenvolve qualquer explicação. Se este património cristão fosse inseri
do na Teoria do Ponto Omega, esta adquiriria um novo valor, porém, com um risco. Se se provasse ser uma teoria falsa, que efeito teria sobre a fé dos crentes? A ter efeito significaria que o discurso científico-teológico nesta teoria estaria inteiramente correcto, o que não é o caso. Existem diversas lacunas na Teoria do Ponto Omega, tanto científicas, como teológicas. Mas o maior contributo da teoria, explica Rondinara, é que «denota uma “certa” abertura ao transcendente, [porém] esta desordenada e contraditória abertura ao transcendente estimula a teologia a uma escuta e diálogo autênticos, onde o anúncio do evento de Cristo possa colmar a questão que brota no mundo científico sobre o sentido profundo da realidade física, e [leva a ciência] a abrir-se (…) a uma compreensão mais ampla do mistério [de Cristo].»
O Papa João Paulo II, por altura da sessão plenária da Academia Pontifícia das Ciências no ano do Jubileu, expressa bem o sentido profundo do diálogo científico-teológico entre os cientista e a Igreja, afirma que o cientista, «pelo ideal que tem de servir a verdade, sente uma responsabilidade especial (…) no progresso do homem como um todo e de tudo o que é autenticamente humano. A ciência, concebida desta forma, encontra a Igreja (…) e constrói com ela um diálogo fecundo, porque é precisamente o homem o “caminho primeiro e fundamental para a Igreja” (Redemptor Hominis, 14).»
[1] Passar o teste de Turing significa que o programa passaria por um ser humano.