A primeira leitura da Quaresma fala-nos das tentações de Jesus após ter jejuado por 40 dias. Interpelado pela homilia do sacerdote, pensei o que querem dizer essas tentações hoje.
Primeira
”Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!” (Mt 4, 3)
Pensa em ti.
É essa a tentação que hoje encontra expressão no dar um presente a si próprio, ou mesmo na necessidade de relaxar, vegetando pelas redes sociais. O convite de Jesus vai para além do desapego material: pensa por ti.
Actualmente, a maior parte do tempo que gastamos com as redes sociais, a responder a emails e a mensagens ininterruptas, na prática, é uma cedência às exigências daquilo que os outros pensam, não ao que pensamos.
Relaxar não é não pensar, mas encontrar o espaço para nos encontrarmos com os nossos pensamentos. Por isso, o convite de Jesus na primeira tentação é a ser crítico no sentido de não ceder ao que os outros pensam, mas a pensar por nós próprios e confrontar o que pensamos com os outros.
Segunda
” Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Porque está escrito: ‘Deus dará ordens aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’” (Mt 4, 6)
Exige de Deus.
Se acreditas em Deus, prova-me. Se achas que Deus te ama porque estás com uma doença terminal? É a tentação a exigir de Deus aquilo a que temos direito como fez o filho pródigo. Mas o convite de Jesus de não tentarmos Deus soou-me a: exige de ti e entrega-te a Deus.
Exigimos muito dos outros e com Deus fazemos algo de semelhante, mas a exigência real está do nosso lado. Não posso exigir nada a alguém, apenas a mim próprio. E a primeira exigência será esta entrega total a Deus que pode manifestar-se nas mais pequenas coisas. Por exemplo, escutar atentamente quem fala comigo; não esperar que alguém arrume a cozinha ou o quarto, mas dar o primeiro passo; isto é, levantar a cabeça e olhar à volta, questionando: o que posso fazer para tornar o mundo um pouco melhor?
Terceira
”Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar.” (Mt 4, 9)
Esquece Deus.
Uma vez na Inglaterra, um grupo de ateus gastou dinheiro em letreiros nos autocarros que diziam – _“Provavelmente Deus não existe. Pára de te preocupar e goza a tua vida.”_ Ou seja, para eles a existência de Deus é uma preocupação para os crentes, por isso, o conselho que dão seria uma versão moderna desta tentação: esquece-O. Mas o convite de Jesus é diferente: esquece-te e ama Deus.
Deus para o crente não é uma razão para preocupação, mas uma razão para amar os outros, a criação e até nós próprios. O acto de esquecer-se de si pretende abrir-nos à novidade dos outros que, no final, acaba por resultar num encontro com aquilo que somos. Pois, será o relacionamento com os outros que permite saber quem realmente somos.
Se és…
A ideia das tentações é questionar o nosso relacionamento com Deus através de uma ligação entre a validação daquilo que pensamos ser e os actos que nos afastam disso. O que a tentação pretende incutir não é a dúvida, mas a contradição. Aliás, quando me parece que o convite de Jesus na primeira tentação é a pensar por nós próprios, fazemos isso através da dúvida. Daí que, na minha opinião, essa é uma via teologal a descobrir na cultura actual.
Gosto sempre dos artigos do professor e partilho algo que me vem ao espírito sempre que leio esta passagem do Evangelho. Lê-se: “Se és Filho de Deus” Não haverá aqui uma 4ª tentação e talvez a maior para Jesus, isto é, levá-lo à dúvida de ser realmente o Filho de Deus? Para mim o tentador poderia dirigir-se a Jesus dizendo por exemplo: “Já que és Filho de Deus…” mas não: tenta introduzir a dúvida: “Se és…”.
Que me pode o Professor dizer sobre esta minha leitura? Agradeço, mas aguardo sem pressas considerando as muitas ocupações e preocupações que tem.
Excelente observação! Realmente, não me parecem ser três, mas 3+1. Pois, a +1 que identifica está, de certa forma, presente em todas. Porém, creio que o que o Tentador é subtil com a palavra “se” que referimos sempre a pressupostos. Assim, o que pretende não será tanto por em questão o pressuposto, se é ou não é, mas a identidade real onde os pressupostos não fazem sentido. Ou “é” ou “não é”, sem “se”. Muito obrigado pela pertinente interpelação.