Um testemunho muito interessante deste humorista português. Encontra-se completo em http://snpcultura.org/pcm_ricardo_araujo_pereira.html
Ricardo Araújo Pereira e a questão de Deus (1) from Pastoral da Cultura on Vimeo.
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Obrigado pela partilha deste testemunho do RAP. Neste relato o RAP reforçou a minha ideia de que é uma pessoa muito inteligente e bem mais profunda do que aquilo que os papéis televisivos a que nos habituou podem levar a pensar.
Aproveito para sublinhar que o tipo de discurso sincero de um não crente como o que o RAP aqui faz, é de muito maior valor para mim do que as frases que os crentes propagam como é o caso do teu seguinte comentário no post do Ludwig Bondade
“ Caro hudlac,
deus, assim como o dragão invisível, não tem como agir materialmente
Deus age mas de forma diferente daquela material esperada por um ateu.
“
Devido ao que a afirmação implica (que os crentes entendem a forma de Deus agir), este é o tipo de afirmações arrogantes dos crentes que tenho alguma dificuldade em tolerar. Este tipo de segurança e certezas que os crentes cultivam é um aspecto em que os não crentes se sentem quase agredidos, porque tal como comentava o Feynman das pseudo-ciências:
“…I have the advantage of having found out how hard it is to get to really know something…”
(extracto da entrevista disponível no youtube em R. P. Feynman and social sciences).
Eu concordo com Feynman, o conhecimento positivista das Ciências é algo difícil e sinto-me tentado em acrescentar:
o conhecimento Absoluto procurado por alguns Filósofos, Teólogos e outras correntes intelectuais Humanas é algo fútil e vão.
Caro Gajo,
tenho verificado que, para um não-crente, as palavras de um não-crente são um discurso sincero, e para um crente, as palavras de um crente são um discurso sincero. Porém, como não-crente, vê as minhas palavras de crente com arrogância e não parte de um discurso sincero. A minha pergunta é simples: porquê? Porque não havemos de pressupor, em primeiro lugar, que as palavras de um crente para um não-crente, assim como as palavras de um não-crente para um crente, são “discurso sincero”?
Se eu pedir ao Ludwig para me desenhar um dragão (assumindo que ele desenha bem), um dragão irá desenhar. Com dentes afiados, asas, cauda, um espigão na ponta, olhos de pupila vertical, etc. Se eu lhe pedir “desenha-me o amor”, o que desenhará o Ludwig? O que me desenharia o Gajo? Um coração? Posso sempre dizer que é um coração, mas não o amor. Um Crucificado? Posso sempre dizer que é um homem mutilado e não o amor. Ou seja, posso representar muita coisa que considero o amor, mas materialmente não consigo conceber, ou desenhar, o amor. O mesmo – penso eu – acontece com Deus, de tal forma que escrevi o que escrevi. Espero que me tenha compreendido e, sobretudo, que não houve qualquer discurso arrogante da minha parte.
Por fim, também como cientista, estou plenamente de acordo com Feynman. A diferença entre mim e o Gajo, relativamente a Feynman, é que mais ainda em Filosofia, ou Teologia, quando levadas a sério (falo por experiência própria porque estou a aprender) “everyone has the advantage of having found out how hard it is to get to really know something”. Ao que podia acrescentar “when all that is known is always less than all there is”. É esse o contributo positivo da teologia – do meu ponto de vista – assegurar que não irei perder o meu emprego porque haveremos sempre de saber mais do que antes, menos do que há para saber.
Obrigado pelo seu comentário que apreciei, sobretudo, pela sinceridade.
Cordiais saudações
Percebo a justificação da representação Material de um conceito tão abstracto e subjectivo como o de Deus. No entanto, no teu comentário original acrecentaste a parte “…esperada por um ateu”. Assim, parece-me que se depreende da tua afirmação que os ateus (não crentes) não têm capacidade de entender conceitos que não sejam materializáveis. Essa seria uma afirmação muito forte. Eu pessoalmente não me sinto ofendido com tal consequência porque se calhar até me revejo em tal posição. Obviamente que valorizo e até uso o raciocínio abstracto, mas se não conseguir extrair nenhuma consequência materialmente mensurável de tais raciocínios, considero-os estéreis e inúteis. Nota que tal posição não inclui os devaneios das Ciências mais puras e abstractas como o são algumas conjecturas Matemáticas que entretanto se tornam teoremas. Por mais abstractas que sejam as afirmações (provadas) neste campo de saber, acabam sempre por mais cedo ou mais tarde estabelecerem pontos de contacto com áreas do conhecimento mais concretas, tornando-se assim susceptíveis de serem aplicadas.
Já no caso dos “saberes” da Filosofia/Teologia, não vejo que resultem quaisquer consequências práticas para a vida.
Nota que com isto não incluo as experiências Religiosas pessoais, porque essas sim tẽm toda a pertinência, valor e efeitos concretos que qualquer experiência de vida marcante tem na vida de um indivíduo.
O que ponho em questão é o valor de se cultivarem de forma institucionalizada afirmações Dogmáticas (impossíveis de verificar e de serem partilhadas – no sentido de acreditadas – de forma universal) como aquelas que qualquer Religião cultiva:
Deus é Amor, Bondade e etc…
E volto a insistir que um niilista tem mais honestidade que um crente porque ao invés deste último, admite que não sabe nem nunca saberá o significado da Existência de todas as coisas incluindo a nossa. Isso deixa um vazio? Podes crer que sim.
cumprimentos,
Ao reler o teu comentário, apercebo-me de que não respondi de forma clara à tua pergunta sobre a não sinceridade das afirmações Religiosas. O meu ponto é simples. Ninguém pode proclamar saber as respostas para questões tão abrangentes e imprecisas como as questões sobre a origem da existência do Universo ou da Vida incluíndo a nossa espécie.
Para um espírito céptico, as respostas religiosas tradicionais são de uma tal puerilidade que não me merecem quaisquer comentários. Quanto às tentativas de alguns Cientistas encerrarem o mistério com a aplicação de uma mistura de especulações e aplicação de teorias Científicas, apesar de interessantes, acabam por revelar – na minha opinião – a natureza intrinsecamente parcelar e inacabada do conhecimento Científico, o qual está sempre sujeito à sua auto-revisão quando confrontado com novas observações.
Nisto estou completamente de acordo com o que exprimias no teu comentário anteriror, relativamente ao facto de o emprego dos cientistas nunca ir ser posto em risco pelo eventual fim da Ciência.
Nota no entanto que isso é uma visão/opinião que temos do Mundo, a qual não é auto-evidente. Existem pessoas/cientistas que admitem ou mesmo acreditam que a Ciência pode chegar ao conhecimento completo do mundo que nos rodeia. Pessoalmente, não consigo deixar de achar tal visão como algo infantil e ingénua. Mas o ponto é que tal como na questão da existência de Deus, esta visão da Natureza é uma questão de opinião Filosófica. Não temos qualquer forma positiva de estabelecer que a Verdade vá de encontro a uma ou outra destas visões.
Caro Gajo,
parece-me que se depreende da tua afirmação que os ateus (não crentes) não têm capacidade de entender conceitos que não sejam materializáveis.
Penso que a minha frase veio simplesmente a propósito de um contexto, isto é, houve algo que o hudlac deve ter escrito que me deu a entender que no seu pressuposto filosófico haveria uma opção pelo que é material e reduzir a realidade a isso. Apenas isso, mas concordo contigo que um ateu pode não ser materialista. Por outro lado, não tenho por hábito afirmar para ofender, mas se sentiste que a minha afirmação teve essa conotação agradeço a chamada de atenção.
Já no caso dos “saberes” da Filosofia/Teologia, não vejo que resultem quaisquer consequências práticas para a vida.
Como deves imaginar não é essa a minha experiência. Por exemplo, a “arte de amar” vivida nos diversos movimentos da Igreja implica: amar a todos, ser o primeiro a amar, amar os inimigos, amar concretamente, ver Jesus no outro e amar reciprocamente. Apesar da sua carga filosófica e teológica, a praxis é bastante evidente e vivida quotidianamente por todos os crentes. Ao contrário do que afirmas, a minha experiência é que a filosofia e teologia Cristãs são, em primeiro lugar, vividas e depois vêm as ideias e pensamentos sobre aquilo que já se vive, de modo a compreender melhor aquilo que se vive.
Por outro lado, a minha vivência da Missa, em particular, do momento eucarístico, passou a ser muito diferente e mais intenso a partir do momento em que li mais alguma filosofia e teologia. Logo, é um exemplo de como o interesse por conhecer melhor a Filosofia/Teologia possui uma implicação prática na vida de qualquer pessoa.
O que ponho em questão é o valor de se cultivarem de forma institucionalizada afirmações Dogmáticas (impossíveis de verificar e de serem partilhadas – no sentido de acreditadas – de forma universal) como aquelas que qualquer Religião cultiva:
Deus é Amor, Bondade e etc…
Eu partilho da visão que uma afirmação Dogmática só faz sentido na vivência daquilo que se afirma. Se não vivo intensamente, na medida das minhas possibilidades e limitações, que “Deus é Amor, Bondade, etc …”, de nada me vale afirmar o que quer que seja. Deste ponto de vista, e dito de outra forma, afirmar dogmaticamente implica viver o que se afirma. Da vivência vem a experiência e, porque essa vivência é feita em comunidade, vem também a confirmação da realidade que essa experiência comporta, a sua veracidade e coerência.
E volto a insistir que um niilista tem mais honestidade que um crente porque ao invés deste último, admite que não sabe nem nunca saberá o significado da Existência de todas as coisas incluindo a nossa. Isso deixa um vazio? Podes crer que sim.
Se fosse niilista não faria uma afirmação tão forte relativamente aos crentes como fizeste. Pode a honestidade de quem crê ser medida com base na honestidade de quem não crê? Eu creio que não porque são honestidades diferentes e ambas honestidades. Contudo, admiro-te por reconheceres as implicações de ser-se niilista. É raro. E é por essa honestidade que me faz impressão os anúncios que algumas correntes ateístas superficiais têm colocado em autocarros.
Ninguém pode proclamar saber as respostas para questões tão abrangentes e imprecisas como as questões sobre a origem da existência do Universo ou da Vida incluíndo a nossa espécie.
Percebo o que dizes. Sozinhos achamos que chegamos mais rápido, mas juntos iremos, certamente, mais longe. Haverá melhor resposta às perguntas últimas que a incerteza e esperança que elas encerram? Deus é uma resposta à sede de infinito que todo o ser humano tem. Porém, o facto de sermos livres e criados para a liberdade, implica a possibilidade de recusar Deus como aquele que sacia essa sede. Ao fazê-lo, por aquilo que tenho lido, surge a necessidade de preencher o vazio deixado. A forma como filósofos não crentes o têm feito é preencher com o Homem, sendo este a medida de todas as coisas. A minha opinião é que o resultado consiste num ser auto-consciente que se volta para si mesmo, enquanto na vivência de uma Fé em Deus, o ser humano constituisse no voltar-se para fora de si mesmo. Há aqui uma grande diferença, mas uma coisa é certa, o que têm de comum é a procura da Verdade e isso … já é alguma coisa 🙂
Abraço e obrigado pelos teus comentários
Olá Miguel,
É impressão minha ou recusaste-te a assumir o desafio proposto pelo último comentário do Ludwig no post http://ktreta.blogspot.com/2011/08/treta-da-semana-nephesh-hayyah.html?
Eis a minha proposta. Começamos com algo que ambos concordamos ser religião mas no qual nenhum de nós está empenhado a defender. O Islão, por exemplo. Examinamos algumas das alegações dessa religião e tentamos chegar a acordo acerca do método pelo qual decidimos se são verdadeiras ou falsas. Por exemplo, alegação de que Maomé falou varias vezes em pessoa com o anjo Gabriel. Depois aplicamos a mesma metodologia às alegações em que discordarmos, quer seja na ciência quer seja em qualquer religião.
Se um dos lados começar a dizer “ah, não, mas no meu caso não é ser entre seres nem causa entre causas mas a causa sem causa que confere ser ao não-ser agindo sem intervir” vemos logo quem é que está cheio de treta 🙂
Parece-me um caminho fazível… O que achas da proposta do Ludwig?
Caro gajo (diletante),
é impressão tua. Estou neste momento de férias e não tenho possibilidade de responder com a frequência de outras vezes. De qualquer forma, o caminho que o Ludwig propõe não é fazível porque – da minha parte – conheço pouco o islão ou o que tem sido feito (embora saiba que tem sido feito) em ciência e religião nesse contexto. Como tenho por hábito estudar, documentar-me para enveredar por essas questões e não tenho MESMO tempo para o fazer neste momento, seria uma discussão sem sentido. Espero que compreendas.
Abraço
Miguel Panão,
O Islão é só uma proposta. Pode ser até em abstracto. O importante é chegarmos a um entendimento acerca do que pode contar, objectivamente, como evidência suficiente para que seja razoável aceitar uma alegação destas.
Por exemplo, imagina que temos um relato antigo segundo do qual uma pessoa terá falado com o anjo Gabriel. O que propões seria evidência suficiente para concluir que esse relato era verdadeiro? Achas que o relato por si só basta para concluir que é verdadeiro? Achas que um milhão de pessoas acreditar é evidência suficiente para justificar concluir que é veradeiro?
Eu diria que era preciso evidências independentes tanto da existência desse tal anjo como do seu contacto com os humanos, e isso exigiria primeiro que estas hipóteses fossem formuladas de forma a poderem ser testadas. Discordas?
Ludwig,
para encetar nesse tipo de diálogo importa saber qual a teologia que tem estudado aquilo que Maomé terá falado com o Anjo Gabriel; o que entendem os muçulmanos por “anjo” ou “falar com um anjo”; e como se tem interpretado e compreendido essa experiência religiosa do ponto de vista da interacção entre ciência e fé. Só estudando um pouco, é que poderia usar uma estrutura heurística como a estatística para aferir o aprofundamento de Verdade contido nas hipóteses que pretendes testar. Já agora, testar como?
Ainda, será o relato uma experiência literal ou um texto teológico? A exegese tem estudado que a tempestade acalmada, ou o andar de Jesus sobre as águas são sobretudo relatos teológicos. Será o relato de Maomé e do anjo Gabriel um relato teológico? O que é isso de texto de teor teológico? Enfim, estudo que exige tempo que, infelizmente, não tenho neste momento com o trabalho que se acumula … 🙁
Não entendas o que digo como uma fuga à questão, mas um desabafo no profundo respeito pelo valor da tua proposta.
Miguel Panão,
Para dialogarmos os dois não faz sentido começar pelo que a teologia diz porque temos de encontrar primeiro um ponto comum onde assentar o diálogo e os nossos raciocínios, e a teologia não é um ponto que tenhamos em comum, porque já presume várias coisas das quais discordamos.
Portanto onde temos de começar é em algo mais fundamental. Supõe que queremos avaliar a verdade de relatos que falam de mulheres virgens a dar à luz, pessoas que morrem e ressuscitam, pessoas que são a encarnação de um deus, animais que falam, que um deus criou tudo em seis dias, etc. É certo que todos os relatos podem ser interpretados de várias maneiras, como mitos, alegorias, metáforas, ou literalmente, mas o que me interessa é a verdade das proposições que me apresentam com base nesses relatos. Se estiver a discutir com o Mats, será a criação como literalmente descrito no Génesis. Se for contigo, pode ser a ressurreição, a natureza divina de Jesus, a virgindade de Maria ou algum dogma da Igreja Católica. Mas antes de irmos aos casos concretos precisamos concordar acerca do método.
Onde proponho que comecemos é em concordar acerca daquilo que serve ou não serve de evidência para aferir a verdade da proposição em causa.
Proponho que confirmação empírica independente é um tipo aceitável de evidência. Por exemplo, se descobrirmos que a partenogénese é possível nos humanos podemos considerar isso evidência a favor de relatos de virgens grávidas.
Por outro lado, a sinceridade aparente de quem escreveu o relato, o impacto que o relato tem na vida das pessoas que o leram e o número de pessoas que acredita na verdade do relato são irrelevantes para determinar se é verdade ou não o que lá está escrito, especialmente quando se trata de algo extraordinário.
E, já agora, se tu só podes considerar exemplos do Islão depois de estudar profundamente essa religião, coisa para a qual não tens tempo, então também não será razoável assumires que o catolicismo é mais correcto sem estudares profundamente todas as outras religiões…
Ludwig,
para se dialogar seriamente sobre esse assunto é necessário documentarmos-nos sobre ele e descartar a teologia como método que presume determinadas coisas é o mesmo que se devia fazer ao que propões por presumires que começar por algo mais fundamental implica descartar a teologia. Ou presumires que a confirmação empírica seja condição suficiente para verificar verdades. Repara que usas a palavra “verdade” e não teoria. Se o método para estabelecer um diálogo fecundo presume meramente a versão empiricista de aferir verdades parece-me redutor de início e destinado ao insucesso.
Estas férias li o “Método em Teologia” de Bernard Lonergan e comecei a ler o “Theology and The Philosophy of Science” de Wolfhart Pannenberg e percebi como a teologia possui método e é milenar nas reflexões que produz. Descartar isso é não perceber sobre o que é que se quer mesmo dialogar e, de facto, para se encetar em falar muito apenas por intuição é algo que exige tempo que não tenho. Espero que compreendas.
Por fim, em resposta ao teu parágrafo final, “sim”, não é razoável assumir que o catolicismo é mais correcto sem estudar profundamente todas as outras religiões, por isso é que se escolhe ser Católico porque se fez uma experiência única de encontro com Deus através da pessoa de Jesus. Foi e é o meu caso. Porém, também não podemos aferir o grau de correcção de uma religião sem conhecer com alguma profundidade a teologia que aprofunda as suas verdades, ou um pouco o conteúdo do diálogo interreligioso que entre as várias se tem estabelecido.
Mas se fazes muita questão sugiro que leias um pequeno livro que li de Anselmo Borges intitulado “Religião e Diálogo Inter-religioso” e partilhemos as impressões que tivémos acerca desse pequeno texto. No fim, escreve ele que: “há sempre quem tenha receio de, no diálogo, perder a identidade. Trata-se de um erro antropológico. De facto, a identidade é sempre mediada pela alteridade em reciprocidade. No diálogo, só a identidade narcisista é destruída; a identidade autêntica sai enriquecida”
Abraço
Miguel Panão,
Vou tentar explicar isto de outra maneira. Proponho que assentemos o nosso diálogo acerca das religiões e do ateísmo na premissa de que não existe qualquer deus e de que todas as religiões são mera invenção humana. Assim, prosseguiremos o diálogo considerando sempre esta hipótese como verdadeira.
Concordas?
Se não concordas, por favor explica porque é que achas que isto seria uma má forma de fundamentar o diálogo. Talvez isto te ajude a perceber a minha objecção à tua proposta de assentar o diálogo na teologia.
Ludwig,
qual a razão para assentar um diálogo sobre religiões e ateísmo sobre a hipótese de que Deus não existe? Porque não o inverso? Não estás na tua proposta a assumir a conclusão a que queres chegar? Existem religiões sem um Deus ou Deuses, mas não é sobre essas que estamos a debruçar. Assim, se dialogamos sobre religiões que acreditam num único Deus, não é possível um diálogo sério sem ter presente a disciplina que estuda Deus, a teologia, assim como não é sério falar de evolução sem ter presente a disciplina que a estuda por excelência, a biologia.
A minha proposta é clara e credível: partilhemos a impressão que temos sobre uma obra (a de Anselmo Borges) e comecemos o diálogo a partir daí, isto é, a partir de alguém credenciado que pensou mais e melhor do que nos sobre o assunto.
Miguel Panão,
«Não estás na tua proposta a assumir a conclusão a que queres chegar?»
Bingo!
Agora, basta perceberes que a teologia, o que o Anselmo Borges escreve e essas coisas, tudo isso parte da premissa de que o teu deus existe e já deve ser claro porque é que não podemos partir daí num diálogo onde estamos a discordar acerca da existência do teu deus, como tu o descreves.
Temos de começar por algo que preceda essas premissas, que preceda a teologia, o Anselmo Borges e afins. Temos de começar por procurar um entendimento acerca do tipo de evidências que justificam chegar a certas conclusões.
Por exemplo, que tipo de evidências exigirias para demonstrar que o Corão é mesmo as palavras de Allah, o criador do universo, como foram ditadas a Maomé? Eu acho que para aceitar uma coisa dessas era preciso muito mais do que as crenças dos muçulmanos e a sua tradição. Não concordas?
Ludwig,
Eu acho que para aceitar uma coisa dessas era preciso muito mais do que as crenças dos muçulmanos e a sua tradição. Não concordas?
Bingo!
Daí a teologia que não deve ser confundida com religião e daí a antropologia que é explorada por Anselmo Borges. O facto de sugerir partir os de uma obra vai precisamente ao encontro do ponto comum, que neste caso seria ler e interpretar o mesmo texto (que é pequeno! Li-o em 3h). Por outro lado, num post aqui no blog expressei já a diferença que temos daquilo que se entende por diálogo. Para haver diálogo não é condição necessária ou suficiente “chegar às mesmas conclusões”. No nosso caso, em que diferimos nas premissas, o diálogo constrói-se na compreensão recíproca daquilo que o outro pensa e no aprofundamento recíproco daquilo que nos distingue na abordagem que fazemos em busca da Verdade.
Miguel Panão,
«No nosso caso, em que diferimos nas premissas, o diálogo constrói-se na compreensão recíproca daquilo que o outro pensa»
Não é bem isso. É possível que eu fique a compreender bem o que tu pensas sem sequer dialogar contigo, só lendo o que tu escreves, analisando o contexto social que te formou, como foste educado e ensinado, etc. Por exemplo, se fores regularmente a um psicólogo ele pode ficar a compreender-te bem sem nunca dialogar contigo acerca destas coisas, no sentido estrito de diálogo como o confronto de dois “logos”.
O nosso diálogo surge de uma divergência acerca de afirmações como, da minha parte, que a hóstia não se transubstancia e que Deus não existe e, da tua parte, o contrário. Eu tenho algum interesse em ver se é possível sairmos deste impasse procurando o fundamento que cada um tem para a sua afirmação até encontrar, nas ramificações desse fundamento, algo em comum que nos permita fazer um juízo acerca de qual das versões é verdadeira. Porque, obviamente, não podem ser ambas.
Neste contexto tenho pouco interesse em acompanhar-te na interpretação dos textos do Anselmo Borges. Se ele diz algo de pertinente para o diálogo, pois com certeza que é livre de o mencionar, explicando. Mas, de resto, é deixá-lo estar.
Pela minha parte, eu tento procurar razões que tu também possas aceitar como válidas. Por exemplo, se eu fizer hocus pocus em cima de uma hóstia ela não se transubstancia em Jesus. Nisto, penso eu, estamos ambos de acordo. E se um padre, durante a missa, fizer o sacramento com uma bolacha Maria, a bolacha também não se transubstancia. Não só concordamos nisto, como concordamos em algumas das razões que nos levam a esta conclusão: não há nada que aparente acontecer à bolacha ou à hóstia nestas condições, nem temos evidências objectivas de algum mecanismo que as transubstancie.
Aplicando o mesmo raciocínio ao caso da hóstia na eucaristia, eu chego à mesma conclusão. Precisamente porque a hóstia aparenta ser a mesma, não se justifica concluir que magicamente se transubstanciou.
A existência de Deus é um problema análogo. Tu rejeitas, como eu, que Deus seja Pai, Filho, Espirito Santo e Tia Gertrudes. Tu rejeitas, como eu, que Deus viva no monte Olimpo, vista toga e atire raios. Tu rejeitas, como eu, que o criador do universo seja uma pessoa maléfica, incompetente e estúpida que tenha criado isto só para nos causar sofrimento mas que só o consiga fazer de forma muito ineficaz. Em todos estes casos, e infinitos outros, estamos de acordo. Rejeitamos estas hipóteses porque não há evidências em seu favor, ou porque nem pode haver evidências em seu favor, sendo impossíveis de testar. O mesmo aplico eu à tua hipótese de que o deus criador do universo é três pessoas numa substância, que agem sem intervir e que são, em conjunto, amor com letra maiúscula.
Se queres dialogar comigo acerca disto deves-te empenhar na tarefa de procurar ponto que tenhamos em comum de onde se possa inferir aquilo que defendes. É o que eu tento fazer todas as vezes que dialogo contigo ou com outros crentes, em vez de os mandar ir ler livros para depois interpretarmos…
Ludwig,
efectivamente o diálogo pode ser construído na compreensão recíproca daquilo que o outro pensa e gostaria de insistir neste ponto. Eu não tenho que sair de um diálogo contigo com a tua opinião, nem tu com a minha opinião, mas compreender reciprocamente melhor o que o outro pensa é sair de um diálogo enriquecido com o pensamento do outro, seja através de provocações intelectuais ou intelecções a partir do pensamento do outro. Não temos de chegar à mesma conclusão, ou ao mesmo pensamento, nem mesmo penso que seja necessário partirmos do mesmo pensamento. Podemos chegar a uma conclusão comum (que não é necessariamente a mesma) e chegar um pensamento uno a partir de pensamentos diferentes porque só se pode unir o que é distinto.
Eu tenho algum interesse em ver se é possível sairmos deste impasse procurando o fundamento que cada um tem para a sua afirmação até encontrar, nas ramificações desse fundamento, algo em comum que nos permita fazer um juízo acerca de qual das versões é verdadeira.
Uma forma de sair do impasse é manter a mente aberta ao pensamento do outro, mas isso só pode acontecer no profundo respeito pela experiência de fé, ou de ausência de fé, do outro, porque esse é o ponto de partida fundamental a experiência. É este o “algo em comum” que temos: uma experiência. Se pensares bem é a partir de uma experiência de vida diversa que nascem as nossas visões do mundo. Por outro lado, é uma presunção tremenda da parte de algum de um de nós, se com uma troca de comentários num blog chegássemos a qualquer coisa tão profunda e fundamental como a “Verdade”! Para produzir o juízo que sugeres, importa ter presente aquilo que é um acto cognitivo e que nos conduz a uma intelecção:
1) experiência;
2) compreensão;
3) (e só depois) o juízo.
A minha proposta de começar por uma Obra é algo perfeitamente normal e credível do ponto de vista metodológico em qualquer diálogo de ídole filosófica ou teológica, como é (ou pode ser) o nosso caso.
Por exemplo, o caso da hóstia é um argumento antigo nos teus posts. Confesso que há muito que gostaria de fazer um post sobre esse assunto, mas não consegui ainda (já lá vai um ano!?). Para isso procurei documentar-me e ler artigos científicos (não reduzo a ciência à ciência natural) em revistas com peer-review:
– John H. McKenna, C.M. “Eucharistic presence: an invitation to dialogue2, Theological Studies (1999) 60:294-317;
– Fergus Kerr, “Transubstantiation after Wittgenstein2, Modern Theology (1999) 15:115-130;
– Laurence P. Hemming, “After Heidegger: transubstantiation”, Heythorp Journal (2000) XLI:170-186.
– Richard J. Pendergast, S.J., “Mass on the world”, Heythorp Journal (2008) XLIX:269-282.
– Mark Robinson “Transformation: Psychoanalytic and Eucharistic”, Pastoral Psychology (2009) 57:285-291.
Todos estes estudos não referem sequer que a transubstanciação é um qualquer passo mágico, mas levantam sérias questões que exigem aprofundamento e que me levaram a crer que este é matéria actual de investigação muito séria e interessante.
Em relação à existência de Deus, o facto de rejeitarmos as mesmas hipóteses sobre o que Deus não é (via apofática) não quer dizer que as rejeitemos pelos mesmos motivos. Para algumas hipóteses não é sequer necessário haver evidências porque são em si mesmas contraposições sem nexo. Por outro lado, por aquilo que escreves dás a entender que parece não ter existido qualquer reflexão teológica desde os primeiros séculos depois de Cristo, sobretudo a desenvolvida pelos Padres da Igreja. A reflexão teológica tem mais de 1000 anos de história. Achas que as questões que levantas são novas?
Por fim, eu não sou apologeta e por isso tenho a tendência para defender muito pouco, ou pouco defender. Não é pela vida da defesa e do ataque que me parece saudável construir um diálogo. Por essa via não chegaremos a lado nenhum. Asseguro-te. Por isso, não penso que estejas a “tentar” dialogar como afirmas, mas muito simplesmente discutir com base na intuição intelectual de cada um. É tempo gasto ingloriamente. Eu não “mando” ler livros, eu proponho (ou propus) um livro concreto num assunto sobre o qual poderíamos dialogar, por uma razão muito simples, não vale a pena dialogar seriamente sobre o que se pouco entende.
Não quer dizer que não queira dialogar contigo, muito pelo contrário, e por isso é que aponto o ponto que temos em comum como sendo uma “experiência”. No meu caso de fé, no teu de ausência de fé. É por esse motivo que muitas vezes pergunto pelo teu ponto de vista sobre determinado assunto, de modo a poder entender melhor como quem não tem fé aborda determinada questão. Em geral, com o ateísmo dos outros entendo melhor o meu Cristianismo, e desejaria que isso fosse recíproco, mas, em geral também, do teu lado leio reacções que dão a entender que não perdes tempo a ler bem o que o outro escreve. A razão pela qual tenho alguma dificuldade em enveredar pela tua proposta é ver uma porta fechada ao diálogo quando leio coisas como
Rejeitamos estas hipóteses porque não há evidências em seu favor, ou porque nem pode haver evidências em seu favor, sendo impossíveis de testar. O mesmo aplico eu à tua hipótese …
como se a minha hipótese fosse equivalente às restantes, o que não é verdade, ao que eu ou o P.Alfredo te perguntamos frequentemente (mais ele do que eu), de que evidências estarias à espera em favor da hipótese de Deus? … por isso, se concordares que o ponto comum de onde podemos partir é o facto de termos uma experiência de vida que informa a visão do mundo que temos, essa é a pergunta que te faço.