”A Bíblia não deve ser levada à letra, mas a sério.” – li eu recentemente no livro com textos de Tomás Halík e Anselm Grun, “O abandono de Deus.” Para mim, faz todo o sentido porque não vai longe quem leva a vida a brincar (e não me refiro aos comediantes). E se a Bíblia fosse levada a sério, os que confiam na sabedoria intemporal ali inscrita, procurariam traduzi-la em vida.
Penso também que a ciência não deve ser levada à letra, mas a sério. E isso implica manter uma mente aberta, reconhecer os limites das respostas que dá e o tipo de perguntas que consegue responder, ou seja, implica dar-lhe o devido lugar sem usurpar outras dimensões importantes da nossa vida.
Traduzir a Bíblia em vida
“O que fizestes a um dos menores destes meus irmãos a mim o fizestes”. (Mt 25, 40)
Traduzir em vida passa por olhar cada pessoa, independentemente das suas características, como um “pequenino” Jesus diante de mim e amá-la. Mas se noto que sofre de problemas psicológicos, esse amor pode passar por aconselhar e motivar a procurar alguém especializado de modo a reencontrar a saúde.
“Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.” (Mt 25, 35-36)
Traduzir em vida passa por estar atento às necessidades do outro e fazê-las minhas. Isto requer saber colocar-se no lugar do outro. Fazer-se um com ele. Mas depois agir concretamente e viver desapegado do que tens. Um dia estava um rapaz – como era costume – à porta da Igreja no fim da missa a pedir. Ao lado um grupo de jovens vendia bolos para angariar fundos para as suas actividades. Comprei um bolo para os miúdos, mas vimos juntos que podíamos partilhar com esse rapaz e demos-lhe a melhor parte do bolo.
“Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração.” (Lc 2, 19)
Traduzir em vida passa por acolher as contingências na vida como algo que me leva à experiência de fazer parte deste mundo, e não de estar à parte dele. Um mundo repleto de incompreensões, fragilidades, dor, sofrimento e morte. Mas também um mundo onde a luz renova, a água sacia, a alegria das cores e os odores leva à gratidão. Ponderar no coração significa dizer sim diante de um não incompreensível.
O que limita
A criatividade humana é o limite da tradução da Bíblia em vida quando esta é levada à sério. A imaginação humana é o limite quando levamos a ciência a sério com uma mente aberta.
Mas há limites para a criatividade e imaginação humanas? Ao ver como a criatividade e imaginação de alguns que já partiram inspiram ainda a criatividade e imaginação daqueles que ainda caminham neste mundo, pergunto-me se a morte limitou a criatividade e a imaginação.
Porém, tenho notado como literalismos e militantismos parecem ser o que limita quem poderia levar a ciência e a religião a sério e não o faz. Mas há esperança. Podemos sempre recomeçar.
Questão: levas a Bíblia a sério ou à letra?