Após 4 anos em que iniciei este blog, gostaria de retomar o assunto do primeiro post e desenvolvê-lo um pouco mais.
A forma mais óbvia de dar nome a esta interacção é afirmar que estão em CONFLITO.[1] Não se pode acreditar na ciência sem se entrar em contradição com a experiência que provém da fé. Quem se enquadra neste grupo?
· Todos aqueles para os quais apenas a ciência nos permite perceber o que é real e a materialidade esgota tudo aquilo que existe no mundo: Materialismo Científico (e.g., “novo ateísmo”);
· Todos aqueles que fazem uma interpretação literal da Sagrada Escritura: Literalismo Bíblico (e.g. criacionistas);
Para resolver este conflito, a maneira mais fácil é separar ciência e fé como se tratassem de dois domínios independentes. Assim resolve-se o modo CONFLITO com o modo INDEPENDÊNCIA. Os “independentes” remetem para a ciência a forma como funciona o mundo, e remetem para a fé os valores, a moral e o sentido último das coisas. De certa forma, ciência e fé são domínios distintos entre si, mas no caso da independência, são separados entre si, contrastam, logo, coexistem, mas não interagem. Isto pode ser problemático em questões como o pecado original, o início do universo, onde as questões são científicas com implicações teológicas, ou teológicas com implicações científicas.
Porém, existem algumas pessoas que procuram a INTEGRAÇÃO entre ciência e fé, por exemplo, procurando na natureza uma prova da existência de Deus (e.g. o princípio antrópico, teologia natural). Isto pode ser problemático na medida em que se o conhecimento científico mudar, deverá adequar-se também a crença? Em alternativa, há quem tenha desenvolvido um quadro filosófico comum, como Alfred North Whitehead, com a sua filosofia de processo, cuja sistematização pode ser usada para interpretar o pensamento científico e o religioso. Porém, não levará este “enquadramento comum” à submissão do conceito de Deus a esse enquadramento? Haverá, contudo, um modo de interacção em que ciência e fé não estejam em conflito, mas possam interagir criativamente mantendo-se distintas? Sim, o modo DIÁLOGO.
O DIÁLOGO entre ciência e fé corresponde a uma interacção criativamente recíproca onde o conhecimento científico esclarece o saber teológico proveniente da experiência da fé e a fé estimula o “humilde desejo de conhecer” (J. Haught). Nas palavras de Bento XVI «a razão sem a fé está destinada a perder-se na ilusão da própria omnipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do alheamento da vida concreta das pessoas».[2] No DIÁLOGO reconhece-se que ciência e fé dão ambas respostas, mas a questões diferentes. Ou então, ambas podem colocar-se a mesma questão, mas darão respostas de natureza diferente. É precisamente por isto que no DIÁLOGO, ciência e fé não se contradizem, ou se contrastam, mas dão-nos uma visão mais integral da realidade na sua totalidade.
[1] Existem várias tipologias. Iremos seguir a do físico e teólogo Ian Barbour (When science meets religion – enemies, strangers or partners?, Harper Collins Publishers, 2000).
[2] Bento XVI (2009) Caritas in Veritate, Paulinas, p. 116.
Caro Miguel,
mais um texto muito interessante e sucinto para ajudar a elucidar conceitos de ciência e de fé. Enquanto não se aprofundar a destrinça, dificilmente se envereda pela aceitação de que ciência e fé não são nem podem ser incompatíveis. O conceito de Ciência, pelo método e pelo objecto, remete-nos para a tangibilidade explicável (e controlável) das coisas e dos fenómenos. Nem que seja através da matemática.
O conceito de fé não tem a ver com método, nem com objecto propriamente dito. Jesus não questionou a natureza, nem filosofou, nem investigou. Convidou, ensinou, apelou à Fé em Deus, como “objecto” de conhecimento inacessível ao homem.
Veio confirmar-nos que há mistérios. E deu-nos como penhor da fé o sentido e a beleza que humanamente podemos colher dos seus ensinamentos e da sua vida. E deu-nos a chave para bem estudarmos e compreendermos o Antigo Testamento.
Não obstante, fundou a Igreja e não fundou uma escola.
Um abraço
Caro Prof. Miguel:
“O DIÁLOGO entre ciência e fé corresponde a uma interacção criativamente recíproca onde o conhecimento científico esclarece o saber teológico”
Reciproca? O que a ciencia ganhou da teologia? És capaz de dar um exemplo concreto?
Como sabes que o modo dialogo é epistmologicamente sustentavel?
Como propoes demosntrar que ha de facto algo para lá daquilo que se pode inferir do conhecimento cientifico e que o modo dialogo permite ainda que isso se some à crença que o que existe tem de ter uma consequncia algures.
Que consequencia é essa da existencia de deus que não podemos atribuir a outras coisas?
E ja agora, se então Deus transcende o mundo natural e não intervem aqui como sabes que existe? Se é por sentires amor por ele, como sabes que o objecto desse amor não é “wishfull thinking”?
E mesmo que exista, como sabes que tem vontade propria ou intencionlaidade?
Se não sabes responder a estas questões que sentido sequer faz especular sobre o assunto?
Serás capaz de responder pelas tuas palavras?
Obrigado.
Caro Carlos,
gostei imenso do teu comentário. É uma síntese entre o estudo e a experiência de vida, cuja presença de Deus enriquece e frutifica. Daí que o conflito entre ciência e religião, embora inevitável é, cada vez mais um mito com o qual os ateus e criacionistas terão de se confrontar no futuro …
Abraço
Caro Joao,
Reciproca? O que a ciencia ganhou da teologia? És capaz de dar um exemplo concreto?
Embora actualmente exista a pseudo-imagem de uma separação entre conhecimento científico e saber teológico, a génese daquilo que hoje conhecemos por Universidade está nas escolas monásticas.
Como sabes que o modo dialogo é epistmologicamente sustentavel?
Se a fé estimula o “humilde desejo de conhecer” é condição suficiente para desenvolver conhecimento. Contudo importa saber distinguir as questões e evitar mesclar métodos. O conhecimento científico possui implicações teológicas, mas não se pode deduzir da teologia. A teologia informa a visão do mundo que temos, o que possui implicações para a ética e dialéctica filosófica que qualquer cientista, naturalmente, acaba por fazer. Basta pensar em cientistas de renome como Paul Davies, John Barrow, entre outros …
Como propoes demosntrar que ha de facto algo para lá daquilo que se pode inferir do conhecimento cientifico e que o modo dialogo permite ainda que isso se some à crença que o que existe tem de ter uma consequncia algures.
Pensando que a realidade é uma só, pela sua historicidade (ou seja, demonstrar no tempo) e coerência entre a experiência de vida e pensamento. O modo diálogo não inibe colocar dúvidas à fé, mas acolhe a dúvida de fé, assim como acolhe uma dúvida na forma como explicamos o mundo, sem que de uma se deduza a outra, mas juntas permitam a pessoa encontrar uma explicação coerente para a realidade que constitui a sua experiência de vida.
Que consequencia é essa da existencia de deus que não podemos atribuir a outras coisas?
Basta pensares na questão do “porquê”. Sem pensar ainda na existência de Deus, a busca pelo “porque existe alguma coisa em vez de nada” implica que saímos do domínio científico e entramos no filosófico. Nesse, sem Deus, encontra-se a Causa Incausada no ad infinitum permanecendo no ciclo vicioso da pergunta. É, por isso, que Flew, por exemplo, descobriu a racionalidade inerente à existência do Deus dos Filósofos. Contudo, esse não é o Deus de Jesus Cristo. O Deus em quem acreditam os Cristãos é um Deus Criador que dá “ser” ao “não-ser”, base e fundamento da existência. A consequência é uma transformação profunda da visão do mundo de quem faz uma experiência de vida profunda com esse Deus.
E ja agora, se então Deus transcende o mundo natural e não intervem aqui como sabes que existe?
Há uma grande confusão de interpretação entre intervir (ou interagir) e ser intervencionista. Ao negar um Deus intervencionista estou a negar um conceito de Deus como causa entre outras causas, como se o mundo fosse Ele, como se de um demiurgo se tratasse, etc, naõ que ele não interaja com mundo. No Cristianismo, se Deus transcende o mundo, também está nele imanente, implicando isso que está presente, e se está presente podemos fazer uma experiência dessa presença. Quem não a faz é porque a recusa na negação da existência de Deus, limitando deliberadamente essa experiência, não porque lhe seja negada a possibilidade de a fazer.
Se é por sentires amor por ele, como sabes que o objecto desse amor não é “wishfull thinking”?
Porque se fosse seria solipsista. Não se ama Deus sozinho, daí a importância da categoria da relação.
E mesmo que exista, como sabes que tem vontade propria ou intencionlaidade?
Se não tivesse não seria Deus. És capaz de sustentar um conceito de um Deus sem Vontade ou Intencionalidade? Eu não …
Se não sabes responder a estas questões que sentido sequer faz especular sobre o assunto?
Serás capaz de responder pelas tuas palavras?
Estas perguntas denotam que vês uma grande novidade nelas. Infelizmente, eu não vejo, nem Rahner, de tal forma que me levou a escrever este post
Prof:
“Embora actualmente exista a pseudo-imagem de uma separação entre conhecimento científico e saber teológico, a génese daquilo que hoje conhecemos por Universidade está nas escolas monásticas.”
Não me referia material. Referia-me a conhecimento. Eu conheço a universidade catolica.
“Se a fé estimula o “humilde desejo de conhecer” é condição suficiente para desenvolver conhecimento”
Não creio que isto responda à minha pergunta por isso vou reformular:
Como sabes que o modo dialogo produz conhecimento verdadeiro? Um que não é apenas o cientifico?
” Eu: Que consequencia é essa da existencia de deus que não podemos atribuir a outras coisas?
MOP: Basta pensares no porque?”
Não segue. Postular um ser que não precisa de “porquê ” não é uma consequencia da existencia desse mesmo ser. É consequencia de um processo mais ou menos logico na tua mente. Um que poderias fazer mesmo que deus não existisse (até porque inumeros deuses qeu não existem ja foram criados por outros povos) portanto, é algo que podes atribuir a outras coisas, como à fantasia. Não respondes à questão.
Assumo pela tua resposta em relação à intervenção de deus que ele não faz diferença nenhuma. QUe não há efeitos da sua intencionalidade para alem da suposta intervenção original. E assumo isto como leitura das tuas palavras, é o que lá esta. Por isso não me parece logico considerar que essa sensação do deus emanente é real, muito menos ser algo sustentavel racionalmente. É como falar da consciencia silenciosa dos cogumelos.
” limitando deliberadamente essa experiência, não porque lhe seja negada a possibilidade de a fazer.”
Isto é totalmente falso. Eu não regeito essa experiencia porque não quero. Regeito-a porque ela não esta la. Porque ela não é nada fora da nossa mente, se é diz-me o que. Se não é, é fantasia. E voltamos atrás. Que razões tenho eu para acreditar que existe um deus em tudo o que mexe mas sem haver efeitos que apenas a ele possam ser atribuidos?
Esse efeito é a nossa existencia? É só isso? Parece-me que isso é um apelo à ignorancia. So porque não sabemos porque é que existe algo em vez de nada é um grande salto concluir que existimos porque existe um deus. Se algo tem de existir sem criador eu acho que aparecer deus do nada (ja sabemos que ele não faz coisas impossiveis, senão não havia sofrimento para o lovre arbtitrio por exemplo) é mais improvavel de nascer uma singularidade do nada. E depois, há aqui conceitos que são impossiveis de manipular. Por exemplo, o que e nada? Não é nada. “NAda” não existe. É um conceito que na pratica não se manipula nos extremos do seu significado.
“Porque se fosse seria solipsista.”
Não podias ter passado essa ideia a outros. Ou ter adquirido essa ideia de outros como tu. Alias isso é a explicação mais plausivel para a existencia de deus. É deus, esse ser incrivelmente irreal, ser de facto uma construção mental.
“Se não tivesse não seria Deus. És capaz de sustentar um conceito de um Deus sem Vontade ou Intencionalidade? Eu não …”
Eu também não. Por isso é que por mais vago que tentem tornar a ideia de deus ou entidade tipo-deus eu sei sempre aquilo que estou a negar. É a existencia de uma potencia à escala universal com vontade propria. Afinal, quantas ha no universo?
De acordo com as evidencias, nenhuma. Acredita quem quer. MAs para não acreditar basta uma posição de duvida metodica.
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Prof:
Só para saberes decidi responder mais a sério a uma parte da tua argumentação que considerei mais pessoal:
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/o-ateu-e-ateu-porque-nao-quer-acreditar.html
Caro Joao,
desculpa-me a “late reply”…
Não me referia material. Referia-me a conhecimento. Eu conheço a universidade catolica.
Mesmo assim, a recusa do conhecimento que a teologia nos dá sobre Deus e as implicações que isso tem para a nossa visão do mundo vem da tua própria visão positivista do mundo, onde somente o conhecimento científico te permite inferir sobre o que é real. Sou da opinião que isso limita-te no pensamento filosófico, mas é uma escolha que fazes – acredito – de acordo com a tua experiência de vida e não és o único, logo embora não concorde com ela, tem valor e merece respeito. Não me parece correcto é se a absolutizares.
Como sabes que o modo dialogo produz conhecimento verdadeiro? Um que não é apenas o cientifico?
Basta pensar como o diálogo entre fé e ciência nos tem dado uma visão – a meu ver – mais próxima da realidade sobre o modo de ser de Deus, como interaje com o mundo e porque que o criou. Ou ainda, permite-me responder à derradeira questão de “porque existe alguma coisa em vez de nada”.
Repara, eu não gero conhecimento científico com teologia porque os domínios epistémicos são diversos. Assim como não gero saber teológico com ciência porque isso implicaria que Deus seria uma causa entre outras causas, um Ser entre outros seres e como as analogias que frequentemente recorrem os ateus (e nisso estou com vocês), falar de um deus assim seria o mesmo que falar de fadas ou duendes, etc …
Postular um ser que não precisa de “porquê ” não é uma consequencia da existencia desse mesmo ser.
Acho que não percebeste a “tua” própria pergunta e inverteste-a na resposta. Se me perguntas a “consequência” da existência de Deus, ao sugerir pensar no “porquê” das coisas, não estou a postular a existência com o porquê, mas a sugerir que se pensares no “porquê” das coisas poderás depois confrontá-las com a “consequência” da existência de Deus.
Assumo pela tua resposta em relação à intervenção de deus que ele não faz diferença nenhuma.
Muito pelo contrário, apenas não queria pensar por ti, mas que pensasses um pouco sobre o assunto. Se explorares a questão da imanência de Deus encontrarás pistas de reflexão para perceber melhor a forma como Ele interage no/com/através das leis naturais; se explorares o aspecto da transcendência de Deus, encontrarás pistas de reflexão para perceber melhor como Deus não se confunde com o mundo, o que, historicamente, abriu espaço a fazer-se mais e melhor ciência.
Contudo, comentários como este …
Por isso não me parece logico considerar que essa sensação do deus emanente é real, muito menos ser algo sustentavel racionalmente. É como falar da consciencia silenciosa dos cogumelos.
… demonstram que a ideia de Deus que rejeitas é a de um deus que se confunde com o mundo. Acho que fazes bem e faço-o contigo e acho que isso deveria abrir espaço e abertura ao aprofundamento de outros conceitos de Deus, mas como atrás referi, penso que a visão do mundo que tens poderá ser uma limitação à minha proposta.
Eu não rejeito essa experiencia porque não quero. Regeito-a porque ela não esta la. Porque ela não é nada fora da nossa mente, se é diz-me o que. Se não é, é fantasia.
Mais um exemplo da limitação proveniente do reducionismo ontológico, epistemológico e metodológico da tua visão do mundo. Por isso, quando afirmas “Isso é totalmente falso” gostava de saber como, e perguntar se não estarás a ser dogmático.
So porque não sabemos porque é que existe algo em vez de nada é um grande salto concluir que existimos porque existe um deus.
Porquê? Porque existes? Faz a regressão e diz-me qual a causa incausada? E se achares que não há razão para haver – o que a nossa linguagem inapropriadamente refere como – causa incausada, qual, então, a razão da tua existência?
“Do nada, nada se pode fazer” (Shakespeare), por isso o nada (ex nihilo) da criação, certamente que não será um nada, materialmente falando, mas isso e muito mais do isso. Contudo, sem a referência de Deus permanece a questão porque existe matéria sequer? Podes dar toda e qualquer explicação científica para a existência de matéria, e bem!, mas explicar o “como” existe matéria não permite inferir sobre o “porquê”, daí que o reducionismo epistemológico positivista seja limitativo, demonstrando-se como a fé pode abrir novos horizontes do pensamento e estimular o humilde desejo de conhecer.
É a existencia de uma potencia à escala universal com vontade propria. Afinal, quantas ha no universo?
De acordo com as evidencias, nenhuma.
Ainda não percebi de que evidências se trata, mas claramente o conceito de Deus em quem acredito, o Deus de Jesus Cristo, é um conceito que pensas rejeitar, mas que tão pouco pareces conhecer. Nem eu sei tanto quanto a teologia que se tem desenvolvido ao longo de 2000 anos. Logo, convido-te a conhecê-lo. Podes sempre começar pela “Introdução ao Cristianismo” de Ratzinger.