INTRODUÇÃO

1. O aumento explosivo dos conhecimentos científicos e capacidades tecnológicas nos tempos modernos tem trazido notáveis benefícios para o género humano, mas também coloca sérios desafios. À luz do conhecimento que temos da imensidão e idade do universo, a posição e importância do Homem relativas a esse parecem bem menos relevantes e seguras. O progresso técnico aumentou consideravelmente a nossa capacidade de controlar e dirigir as forças da natureza, mas também acabou por exercer um impacto imprevisível e talvez incontrolável sobre o nosso ambiente e até sobre o próprio género humano.

2. A Comissão Teológica Internacional (CTI) oferece esta meditação teológica sobre a doutrina da imago Dei, procurando orientar a nossa reflexão sobre o sentido da existência humana face a estes desafios. Desejamos, ao mesmo tempo, apresentar a visão positiva da pessoa humana dentro do universo oferecida por este tema doutrinal redescoberto recentemente.

3. Especialmente a partir do Concílio Vaticano II (1962-65), a doutrina da imago Dei teve uma maior proeminência no ensinamento do Magistério e na pesquisa teológica. Anteriormente, diversos factores levaram à negligência da teologia da imago Dei por parte de alguns teólogos e filósofos ocidentais modernos. Na filosofia, o próprio conceito de “imagem” tem sido objecto de pesadas críticas, provenientes daquelas teorias do conhecimento que, ou privilegiam o papel da “ideia” em detrimento da imagem (racionalismo), ou consideram a experiência o critério último da verdade, sem tomar como referência o papel da imagem (empirismo).

Existem além disso factores culturais, como a influência do humanismo secular e, em tempos mais recentes, a profusão de imagens pelos media, que tornam difícil afirmar, por um lado, a orientação humana para o divino e, por outro lado, a referência ontológica da imagem, ambos pressupostos essenciais para qualquer teoria da imago Dei. No interior da própria teologia ocidental, o escasso peso atribuído a este tema explica-se também à luz de interpretações bíblicas que sublinharam a validade permanente da proibição de fazer imagens (cf. Ex 20,3-4) ou postularam uma influência helenística sobre o aparecimento deste tema na Bíblia.

4. Somente nas vésperas do Concílio Vaticano II, os teólogos começaram a redescobrir a fecundidade deste tema visando compreender e articular os mistérios da fé cristã. Efectivamente, os documentos conciliares exprimem e ao mesmo tempo confirmam este significativo desenvolvimento na teologia do século XX.

Em linha com a crescente recuperação de interesse pelo tema da imago Dei, que se verificou após o Concílio Vaticano II, a CTI tem como propósito, nas páginas seguintes, reafirmar a verdade que a pessoa humana é criada à imagem de Deus para gozar da comunhão pessoal com o Pai, o Filho e o Espírito Santo e, neles, com os outros seres humanos, e para exercer, em nome de Deus, uma administração responsável sobre o mundo criado. À luz desta verdade, o universo não surge diante de nosso olhar como simplesmente imenso e talvez sem sentido, mas antes como um lugar criado para a comunhão pessoal.

5. Como tentaremos demonstrar nos capítulos seguintes, estas verdades profundas nada perderam da sua relevância ou peso. Depois de uma breve síntese das bases da Escritura e tradicionais da imago Dei no Capítulo 1, passamos aos dois grandes temas da teologia da imago Dei. No Capítulo 2 examinamos a imago Dei como fundamento da comunhão com o Deus Uno e Trino e entre as pessoas humanas. E, por fim, no Capítulo 3 examina-se a imago Dei como o fundamento da participação no governo que Deus exerce sobre a criação visível. Estas reflexões reúnem num só conjunto os principais elementos da antropologia cristã e alguns elementos da ética e da teologia moral assim como se vêem iluminados pela teologia da imago Dei. Temos a nítida consciência da amplidão da temática que aqui tentamos abordar, mas oferecemos estas reflexões para recordar a nós mesmos e aos nossos leitores como é imenso o poder explicativo da teologia da imago Dei, justamente para reafirmar a verdade divina relativamente ao universo e ao sentido da vida humana.

Este documento da Comissão Teológica Internacional desenvolve uma reflexão sobre o tema “O homem criado à imagem de Deus”, e mostra as implicações desta verdade fundamental tanto para as relações humanas, do homem com Deus, e a responsabilidade humana para com a criação. Tradução do original publicado em “La Civiltà Cattolica”, IV, p. 254-286 a 6 de novembro de 2004, por Ephraim Ferreira Alves e revista por Miguel R. Oliveira Panão