3. Pessoa e comunidade

40. As pessoas criadas à imagem de Deus são seres corpóreos cuja identidade, masculina ou feminina, os destina a um tipo especial de comunhão uns com os outros. Como ensinou João Paulo II, o significado nupcial do corpo encontra a sua realização no amor e na intimidade humana, que reflectem a comunhão da Santíssima Trindade, cujo amor recíproco é derramado na criação e na redenção. Esta verdade está no centro da antropologia cristã. Os seres humanos são criados à imago Dei justamente como pessoas capazes de conhecimento e de amor pessoais e interpessoais. É em virtude da imago Dei neles que estes seres pessoais são também seres relacionais e sociais, compreendidos numa família humana cuja unidade é ao mesmo tempo realizada e prefigurada na Igreja.

41. Quando se fala da pessoa, referimo-nos tanto à irredutível identidade e interioridade que constituem o indivíduo particular como também à relação fundamental com os outros que está na base da comunidade humana. Na perspectiva cristã, esta identidade pessoal, que é também uma orientação para o outro, fundamenta-se essencialmente sobre a Trindade das Pessoas divinas. O Deus cristão não é um ser solitário, mas uma comunhão de Três Pessoas. Constituído pela única natureza divina, a identidade do Pai é a sua paternidade, a sua relação com o Filho e com o Espírito; a identidade do Filho é a sua relação com o Pai e com o Espírito; a identidade do Espírito é a sua relação com o Pai e com o Filho. A revelação cristã levou à articulação do conceito de pessoa e atribuiu-lhe um significado divino, cristológico e trinitário. Com efeito, nenhuma pessoa é como tal sozinha no universo, mas é sempre constituída com os outros e chamada a formar com os outros uma comunidade.

42. Daí segue-se que os seres pessoais são também seres sociais. O ser humano é na verdade humano na medida em que actualiza o elemento essencialmente social na sua constituição enquanto pessoa no âmbito de grupos familiares, religiosos, civis, profissionais e de outros géneros, que juntos formam a sociedade circundante a que pertence. Embora afirme o carácter fundamentalmente social da existência humana, a civilização cristã reconheceu todavia o valor absoluto da pessoa, bem como a importância dos direitos individuais e da diversidade cultural. Na ordem criada haverá sempre alguma tensão entre a pessoa considerada individualmente e as exigências da existência social. Já na Santíssima Trindade reina a harmonia perfeita entre as Pessoas que compartilham a comunhão de uma única vida divina.

43. Cada ser humano individualmente, assim como a comunidade humana no seu conjunto, é criado à imagem de Deus. Na sua unidade original – que tem Adão como seu símbolo – a humanidade é feita à imagem da divina Trindade. Querida por Deus, caminha através das vicissitudes da história humana em direcção a uma comunhão perfeita, também esta intencionada por Deus, mas que deve ser ainda realizada. Neste sentido, os seres humanos participam da solidariedade de uma unidade que ao mesmo tempo já existe e deve ser ainda alcançada. Compartilhando uma natureza humana criada e confessando o Deus Uno e Trino que habita entre nós, estamos todavia divididos pelo pecado e aguardamos a vinda vitoriosa de Cristo que restabelecerá e recriará a unidade querida por Deus na redenção final do mundo criado (cf. Rm 8,18-19). Esta unidade da família humana deve ser ainda realizada escatologicamente. A Igreja é sacramento de salvação e do Reino de Deus: católica, enquanto congrega homens de todas as raças e culturas; una, enquanto na vanguarda da unidade da comunidade humana querida por Deus; santa, enquanto ela mesma santificada pelo poder do Espírito Santo e santificando todos os homens através dos sacramentos; apostólica, ao continuar a missão escolhida por Cristo para os homens, isto é, a progressiva realização da unidade do género humano desejada por Deus e o cumprimento da criação e da redenção.