Recentemente ocorreu um debate virtual e muito interessante entre Alfredo Dinis, padre jesuíta e filósofo, e Palmira Silva, professora universitária sobre se é possível ou não conciliar ciência e religião. Nas votações 69% votou que não. Na minha opinião isto significa apenas que mais pessoas que “acreditam” nessa resposta souberam do debate e votaram. Quer isso dizer que aqueles que “acreditam” no sim chegam a menos pessoas? Talvez, merecendo isso reflexão. Contra mim falo que cheguei ao debate tarde por razões de trabalho, mas enfim … Cheguei. Abaixo está o comentário que fiz e recomendo aos que se interessam por estas matérias a leitura dos argumentos de ambos os protagonistas.
Se abordarmos a realidade de acordo com uma visão transdisciplinar da mesma, não há contraditórios (Manifesto da Transdisciplinaridade, Basarab Nicolescu) Porquê? Porque existem diferentes níveis de interpretação da realidade (John Haught, teólogo, “Is nature enough?). O célebre exemplo da água que ferve de John Polkinghorne (físico e teólogo, autor de várias obras sobre a relação entre ciência e fé) é claro nesse aspecto. Se ferve porque forneço energia até que se atinja o ponto de ebulição para as condições ambiente, ou porque quero fazer chá, nada há de incompatível entre ambas as respostas porque estão a níveis de interpretação da realidade distintos. E não deve confundir-se distinção com separação, como alertou Alfredo Dinis desde o início da argumentação. A razão para uma visão mítica e conflitual entre ciência e religião é simplesmente esta: uma redução dos diversos níveis de interpretação do real a um só – a que é dada pelo método científico. Esta é uma visão limitada da realidade, “crença” injustificada, porque se quisermos provar cientificamente que o método científico é a única via para a interpretação da realidade, não sei como se faria, sendo isso, sim, revelador do contraditório inerente à visão conflitual entre ciência e religião (John haught, “Science and faith: a new introduction”).
A impressão que fica é a de que os apologistas da visão conflitual exigem dos que não apoiam essa visão aquilo que não exigem a si próprios. Se não fosse uma visão Cristã do mundo, ainda haveria uma convicção de que esse e Deus seriam realidades ao mesmo nível. Logo, ao não considerar Deus como ser entre outros seres e causa entre outras causas, pelo menos no que ao Cristianismo toca, a ciência é desejável. De tal modo que as limitações da Igreja à ciência argumentadas pela Palmira, não têm qualquer sentido ou fundamento histórico, mas antes a visão característica de Alfredo Dinis e outros como eu próprio de que “Mais ciência, melhor religião”, à qual juntaria a implicação recíproca de “melhor religião, mais ciência” [1]. Casos pontuais do conflito são meramente expressão de anti-testemunho, e não justificação credível para reduzir a realidade generalizada a esses. Por outro lado, não é considerada a evolução do pensamento associado à visão dialogal do relacionamento entre ciência e religião. Assim como todo o trabalho publicado em revistas da especialidade (com peer-review, Theology and Science; Zygon; Science & Christian Belief; Claritas: Journal of Dialogue and Culture), bem como, por exemplo, o recente trabalho realizado no âmbito do Átrio dos Gentios. Assim, parece-me que a grande conversão dos não-crentes preconizados pela Palmira não é à religião, como por vezes parecem sentir – ou “crer” sentir – da parte da argumentação diversa (como a patente em Alfredo Dinis), mas antes à abertura do pensamento a alternativas à visão conflitual. Pois … é preciso “fé” para “crer” que um conflito entre ciência e fé corresponde à realidade.
[1] alterei esta parte ao comentário original