Gostaria de escrever algo e confesso que estava a sentir alguma falta de inspiração. Um dos “truques” – por assim dizer – é ler o que escrevem pessoas que pensam de forma muito diferente de mim, como é o caso do meu amigo Ludwig. Qual não foi o meu espanto quando o último artigo que escreve se refere a algo que escrevi… que presente!
Acho muito curioso o modo como um ateu lê o que escreve um crente. Coloca-se sempre na sua perspectiva ateísta das coisas e demonstra, usualmente, uma certa dificuldade em colocar-se na pele do crente e perceber, a partir de dentro, o que realmente esse quer dizer. Isto é o que eu penso, mas será que o faço?
Ao pensar nas últimas vezes em que procurei responder a ateus com artigos neste blog, reconheço que também eu tenho dificuldade em colocar-me na pele deles. Mas não custa tentar…
Teodiceia
Como pode Deus ser bom, todo-poderoso, se homens, mulheres e crianças morrem injustamente neste mundo? É o clássico problema da Teodiceia sobre o qual muito tem sido escrito e que reconheço conhecer ainda pouco.
Um ateu espera ver no mundo um sinal concreto da acção de Deus que não consiga atribuir a nenhum ser humano, epifenómeno natural, mas contenha traços que só possam ser atribuídos a Deus. Só me parece curioso que escolha aquilo que está ao alcance do homem (saúde pública, igualdade de direitos entre homens e mulheres) para argumentar o fraco desempenho de Deus.
Se fazemos parte da criação de Deus estamos sujeitos às limitações de um mundo que é livre e, por isso, se re-cria com originalidade dentro das condições de possibilidade. Se Deus é Deus, a sua acção na história do universo só pode dar-se ao nível da narrativa e em níveis de profundidade que podemos sempre explorar ao longo dos tempos. Mas o ateu parece exigir algo de mais concreto. E acho muito bem.
Traços de Deus
Quando me deparo com dúvidas sobre o desempenho de Deus e da Sua acção na nossa vida, só posso respeitar a opinião dos ateus, porque um Deus que se faz homem, ama, sofre e morre numa cruz contém muitos traços paradoxais para um “Deus”. Logo, não os traços divinos que alguns ateus, como Ludwig, esperam. Mesmo que seja a vida de Jesus que inspira tantos a darem – literalmente em alguns casos – a sua vida (como é o caso dos missionários) por aqueles que estão sós, abandonados, sofrem injustiças, fome, sede, feridas, doenças, isso não passa – penso – daquilo que se espera de um ser humano com coração, sentido de justiça e responsabilidade. Não será nesses que os ateus reconhecerão Deus entre nós, embora aquele que se sentia só, abandonado, injustiçado, faminto, sedento, ferido, doente, reconheça Deus.
Fé cega?
A fé para alguns ateus permanece como uma ideia de acreditar no que é fictício diante do absurdo e que permite ao crente justificar o injustificável. Hum…
Para mim como crente, se a fé fosse assim, não teria fé. Não é somente a matéria que sustenta as razões da minha fé (ao modo de Teilhard de Chardin), mas o sentido e significado que encontro no princípio narrativo universal. O universo é história. A tua vida é história. Quantas vezes só entendemos alguns acontecimentos na nossa vida depois de passar algum tempo?
Podemos questionar se Deus deixou as crianças morrerem queimadas num centro comercial em Kemerovo. Mas não vejo outro lugar para Deus estar senão com essas crianças, morrendo com elas. Nos incêndios de Pedrógão, um amigo meu dos escuteiros e toda a sua família, mulher e dois miúdos, foram consumidos pelas chamas. Onde estava Deus?
Derradeira questão
Essa é a questão que está por detrás do artigo do meu caro amigo Ludwig, quer ele queira ou não, e por mais esforço que faça para encontrar argumentos que digam não ser, essa é a derradeira questão. Simplesmente.
Também me coloco essa questão muitas vezes. Coloquei quando soube deste amigo, ou quando o Ludwig referiu as crianças queimadas no Kemerovo e eu não sabia do facto. Como posso deixar de me questionar?
Por que razão voltamos vezes sem conta a essa questão? Estamos à espera de uma resposta definitiva? Não creio. Porque o objectivo dessa questão não é obter a resposta, mas simplesmente questionar. É como um grito diante do absurdo.
Há coisas neste mundo que podiam não acontecer, mas acontecendo, os seus efeitos são destruidores e demonstradores da nossa finitude e limitações, e de como não temos o poder de controlar o imponderável. Queremos ser livres, mas não lidamos bem quando a liberdade que exigimos nos cobra um preço inesperado.
Onde está Deus?
Através desta questão colocamo-nos diante da nossa fragilidade. E temos dois caminhos. Ou usamo-la para nos colocarmos diante de Deus, ou usamo-la para encontrar um motivo de lhe virar as costas definitivamente.
Alguns ateus encontram aí o motivo para justificar a sua opção.
Respeito.
Alguns podem tornar-se ateus por não saberem como colocar-se diante de Deus e n’Ele encontrarem de novo o sentido e significado da vida.
Respeito.
Somos todos personagens da história do universo, mas Deus é o seu criador. Um criador paradoxal que desceu ao ponto de se fazer personagem em Jesus e mudar a história do próprio universo. A fé continua a suscitar-me dúvidas e a impelir-me na procura de respostas. Procuramos em cada momento que nos é dado, em cada pessoa que faz história connosco, em cada sofrimento, contingência, novidade, em tudo o que se passa à nossa volta.
O convite que me atraiu na fé e levou-me a fazer uma experiência de encontro com Deus foi simples: ir ao encontro do outro. Foi na experiência relacional com outras pessoas e a natureza que encontrei Deus.
Erro muito, posso ter ideias disparatadas, e falhar, mas se houver alguma coisa que possa falar de Deus a ti, não vejo outra senão a minha fragilidade.