Quando Napoleão Bonaparte perguntou a Laplace onde se encontrava Deus no meio do trabalho que esse tinha feito, diz a história que Laplace terá respondido – “Não precisei dessa hipótese.”
Esta frase continua a ser usada em filmes como a marca da vitória da ciência sobre o pensamento opressor da religião. Não sei o que pensas, mas chegou – definitivamente – a altura de darmos um passo na maturidade intelectual e acabar com este tipo de disparate de uma vez por todas. Este tipo de discurso que sistematicamente enfraquece um diálogo num filme.
É claro que Laplace não precisava da hipótese de Deus porque Deus não é uma hipótese. Quem discorda de mim está no seu direito, mas se tiver mente aberta, ao menos tente perceber a razão da minha afirmação.
O passo da consciência
Estou convicto de que Laplace não tinha consciência da dimensão da verdade que afirmou, mas a intuição estava lá. Por muito que procuremos aplicar a ciência para estudar o fenómeno divino, parece-me uma autêntica perda de tempo. O que se deve aplicar nesse estudo seria o pensamento filosófico. Aquele que procura o sentido e significado das coisas. E deve aplicar-se também o pensamento teológico, como ciência humana que possui as ferramentas necessárias para nos ajudar a entender o relacionamento de Deus connosco e vice-versa.
O papel da ciência
A ciência é extremamente importante para entendermos a realidade que nos rodeia e as condições fronteira que conduzem, inadvertidamente, o desenrolar da história. Através da filosofia e da teologia, expandimos essa realidade para desenvolver uma visão do todo, incluindo o que conhecemos e o que não conhecemos ainda. Mas só aferimos se a visão é do todo, ou não, se procurarmos a coerência e o fio condutor narrativo da história do Universo.
A experiência concreta
Mas há também o concreto que provém da experiência do quotidiano. A vivência diária no contacto com as pessoas, as coisas, isto é, a realidade concreta.
Laplace nas suas equações não precisou da hipótese de Deus, mas quando lidava com outras pessoas, familiares ou não, pessoas que sofriam e cuja situação desafia o sentido e significado da vida, também não podia enquadrar isso nas suas “equações”. Seria como uma amálgama sem sentido, em vez de um percurso coerente que distingue as coisas, sem as separar ou negar mutuamente.
Ao encontro do desejo, agindo
Por vezes, nem é Deus em si mesmo que ajuda a entender o que se passa na nossa vida, mas o relacionamento com Ele. O desafio está em procurar ver como Ele vê, amar como Ele ama, sofrer com o outro (compaixão) como Ele sofre. Tudo a um nível de vivência da realidade que nos dá uma interpretação da mesma para podermos entender alguma coisa.
Mais do que uma ideia, Deus encontra-se na experiência concreta da vida. Ninguém se dirige a uma hipótese quando reza. Mas até aquele que não reza, deseja Deus no seu íntimo. Por isso parece-me que não faz sentido referirmo-nos a Deus como uma hipótese, mas antes um desejo.
Desejo que responda às questões mais profundas.
Questões cuja resposta encontrarás no tempo, na atitude, no sorriso, no dar a mão, no estar presente, no escutar, isto é, no agir.