Será a teologia irrelevante como método de conhecimento? Serão as suas afirmações meramente especulativas?
Se partirmos do facto que uma afirmação teológica possui a estrutura lógica de uma hipótese, então esta estará sujeita a verificação e, por isso, pode considerar-se como a “ciência de Deus”, cujo o método responde a questões de natureza teológica, logo, consiste num método científico-teológico.
Segundo um método científico-teológico, como podemos “verificar” uma determinada afirmação sobre Deus? Afirma o teólogo Wolfart Pannenberg que podemos testar uma hipótese teológica pelas suas implicações. Porém, implicações relativamente a quê? Relativas à nossa compreensão da realidade finita na sua totalidade, de tal modo que esta totalidade é implicitamente antecipada na experiência quotidiana do significado das coisas. Por exemplo, a tradição religiosa, neste caso Cristã, diz-nos que “o Reino de Deus está próximo”, logo, podemos confirmar ou refutar esta hipótese com base naquilo que vai acontecendo ao longo do tempo. Aliás, é por este motivo que se justifica a percepção de que uma das dimensões fundamentais da realidade é ser História. Ora, é, precisamente, esta abertura à confirmação que faz das afirmações teológicas que consideramos como hipóteses, afirmações científico-teológicas.
Existem, porém, dois tipos de confirmação de uma hipótese teológica: directa ou indirecta. Uma confirmação directa depende da passagem do “já, mas não ainda” para o “já”. Um exemplo disto mesmo é a incarnação de Deus em Jesus. A forma eventualmente mais comum de confirmação é a indirecta, pois é aquela onde aumenta a nossa capacidade de compreensão da experiência da realidade finita que fazemos.
Como afirma ainda Pannenberg «se, de facto, Deus é a realidade-que-tudo-determina, então, tudo o resto que estudamos, incluindo o mundo natural, deve-se mostrar como determinado por esta Realidade. (…) a hipótese de Deus como realidade-que-tudo-determina pode ser avaliada positivamente se aumentar a inteligibilidade do mundo natural que estudamos através das disciplinas científicas». [1]
[1] in Ted Peters (1998) Science & Theology – the new consonance, Westview Press, pp. 24-25.
Muito interessante. Se bem compreendi, o mundo é inteligível e não absurdo dado que uma importante componente da realidade é previsível. E esta inteligibilidade supõe uma concepção inteligente.
Caro sofrologista católico,
é isso mesmo, “concepção”, não “design”, pois como diria Bento XVI, não podemos pensar em Deus Criador como um artífice, mas como o seu pensar é criativo. Dada a inteligibilidade que vemos presente no mundo através do estudos das ciências naturais, implica que na sua génese está uma racionalidade maior que lhe dá sentido.
Caso contrário, apenas podemos pensar num universo auto-criado, como afirma o filósofo ateu Quentin Smith, cujos argumentos abordei neste post.
Abraço
Não me parece que se possa considerar a teologia a “ciência de Deus”.
Caro António,
Não me parece que se possa considerar a teologia a “ciência de Deus”.
Porque razão? Discordas da abordagem de Pannenberg?
De facto, também tenho certas dúvidas relativamente à teologia enquanto “ciência de Deus”.
Por várias razões.
Desde logo, na medida em que enquanto ciência, feche as portas à liberdade.
E depois porque poderá ser semelhante a certas pseudociências como a psicanálise e outras em que tudo parece fazer sentido a posteriori (o que é sempre fácil mas de duvidosa credibilidade) ou em que tudo pode ser isso e o seu contrário, simplesmente porque a definição dos conceitos (extremamente imprecisos) nas quais se baseia se altera ao sabor das circunstâncias.
Qualquer disciplina normativa dificilmente poderá ser considerada ciência.
Caro sofrologista católico,
enquanto ciência, feche as portas à liberdade
Eu diria precisamente o contrário. A ciência ocorre na liberdade e inteligibildade, logo desenvolver um método científico-teológico, não científico-natural, seria uma forma de contribuir para o avanço da teologia.
Enquanto a ciência natural se baseia no passado para se pronunciar sobre o presente e especular sobre o futuro. A ciência teológica não possui qualquer restrição temporal, pois tanto se pronuncia sobre o passado (tradição), como o presente ou o futuro (escatologia), com maior liberdade e alcance – diria – que as ciências naturais, pois incluir também a a-temporalidade nas suas reflexões.
poderá ser semelhante a certas pseudociências como a psicanálise e outras em que tudo parece fazer sentido a posteriori (o que é sempre fácil mas de duvidosa credibilidade)
Não creio e penso que a abordagem de Pannenberg possui precisamente o efeito inverso, uma vez que as questões teológicas são abordadas com método, distinguindo o que é material e o que a transcende, ao passo que os exemplos que citas não.
a definição dos conceitos (extremamente imprecisos) nas quais se baseia se altera ao sabor das circunstâncias.
Os conceitos evoluem e ainda bem. Um exemplo: não podemos esperar que um relato da Criação nos tempos actuais fosse escrito da mesma forma que foi no tempo cultural em que foi escrito. Em teologia não é a essência dos conceitos que se altera (e.g. os dogmas), mas a sua forma, daí que haja a disciplina de História dos Dogmas.
Qualquer disciplina normativa dificilmente poderá ser considerada ciência.
Não percebi bem o que entendes por “normativa”.
Abraço
O que quis dizer foi que partindo do pressuposto que Deus é Amor, a essência de Deus corresponderá a um pedido, a um convite para uma escolha de comportamentos amorosos. Deste modo, a essência de Deus seria normativa ou quasi-normativa pois uma norma é um imperativo de conduta. Neste caso não penso que seja um imperativo mas um pedido de conduta.
Mas, neste caso, estaríamos no campo dos valores. Podemos escolher o Amor, podemos escolher Deus tal como podemos recusá-los. Não existe uma relação de necessidade fáctica como é próprio das ciências, isto, é não existe determinismo na escolha do Amor. Deus deixou o homem livre de aderir a Ele ou não.
Nas ciências (pelo menos nas áreas científicas menos filosóficas) existem relações de causalidade ou relações de probabilidade. Pode ser uma causalidade simples ou uma causalidade complexa, neste caso os sistemas podem ter biliões de variáveis em que os resultados de tais sistemas apenas podem ser previstos por vezes em termos de probabilidade estatística.
Mas Deus existe fora de tais cálculos. Sabemos ou pensamos saber o que Ele deseja. Mas isso é algo que podemos ou não aceitar sem que possamos estaebelecer uma relação de necessidade causal (que se existisse ou fosse vísivel para o homem implicaria a negação do próprio conceito de Deus na medida em que não mais seria possível escolher).
Quando muito podemos considerar que existe um tal feixe de indícios na natureza e na existência que nos leve a acreditar na probabilidade (impossível de calcular matemáticamente) da existência de Deus. Mas, mais uma vez, isso será indemonstrável.
Deus é Amor, Deus é um convite.
Não me parece que Deus seja um facto perante o qual ao homem apenas reste ter comportamentos adaptativos (como relativamente a todos os factos naturais que implicam um constrangimento físico da actividade humana).
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Caro sofrologista católico,
obrigado pela partilha de pensamento 🙂
partindo do pressuposto que Deus é Amor, a essência de Deus corresponderá a um pedido, a um convite para uma escolha de comportamentos amorosos.
Daquilo que tenho aprofundado sobre “Deus é amor”, penso que esse amor se entende como dom-de-si-mesmo. Por outro lado, Deus é Trindade, ou seja, relação. Logo, se somos imagem de Deus deveríamos ser imagem do amor na relacionalidade, ou seja, deveríamos ser dom-de-nós-mesmos para o outro (Deus, homem, natureza). Neste sentido, não vejo tanto haver um “convite para uma escolha de comportamentos amorosos”, uma vez que o amor faz parte daquilo que somos e não daquilo que escolhemos. Ser-amor não seria uma questão moral, mas ontológica e não penso que coloque em causa a liberdade de O escolher ou não.
Mas Deus existe fora de tais cálculos.
Falar de uma ciência de Deus implica que o objecto formal é Deus (o que já acontece em teologia) e que o método é filosófico-teológico. O facto de se usar a palavra hipótese relativamente a uma afirmação teológica não implica necessariamente uma “probabilidade”, mas abre sim à possibilidade de ser verificada. A forma de verificação terá de ser adequada ao objecto formal, logo, isso exclui à partida o uso de métodos científico-naturais. Poderemos usar a história, a exegése, a interpretação, a linguística, etc …
Nesse sentido, numa ciência de Deus, se este é o objecto formal, não é colocada em causa a sua existência, uma vez que isso implicaria colocar em questã o objecto formal e, consequentemente, a própria ciência de Deus. Qualquer hipótese científico-natural também não coloca em questão a própria ciência natural, pois tem como objecto formal a inteligibilidade patente na natureza.
Não me parece que Deus seja um facto perante o qual ao homem apenas reste ter comportamentos adaptativos (como relativamente a todos os factos naturais que implicam um constrangimento físico da actividade humana).
Concordo inteiramente contigo porque isso implicaria que Deus seria um ser entre outros seres, uma causa entre outras causas. Ora, Deus é Criador, logo, da mesma forma que uma casa não é feita de casa, ou a terra onde assenta um pilar feita de pilar, existe sempre uma Causa Primeira, Base onde assenta a existência, Fundamento infundado onde tudo está fundado, é isso que está implícito de cada vez que usamos a palavra … Deus.
Miguel,
tanto quanto sei o conceito de ciência abarca e compreende os métodos, os estudos, as disciplinas de investigação teológica, a exegése, a história, etc., pelo que, não vejo razões para não considerarmos teoricamente uma ciência de Deus que, na prática, já existe há muito tempo.
Afinal, ciência não é só a matemática, não é assim?
Caro Carlos,
partilho da mesma impressão que tu. Aliás, estou neste momento a aprofundar melhor o pensamento de Wolfhart Pannenberg pela abordagem relacional que desenvolve no diálogo entre ciência e teologia através da filosofia.
Abraço