Como interpretar os milagres à luz do conhecimento científico, em interacção com o saber teológico?

A ciência mostrou-nos que o universo é um processo inacabado. Logo, aberto à novidade e à criatividade. É neste quadro de conhecimento que se devem entender os milagres.
Dizer que os milagres são uma violação das leis da natureza é uma compreensão dos milagres simplista e literalista, pelo que deve ser evitada porque incorrecta.
Uma forma de abordar a questão, segundo John Haught (em Christianity and Science), consiste em pensar nos milagres de Jesus relatados nos evangelhos, não como violações das leis da natureza, mas violações da «visão do mundo que faz da morte o estado mais fundamental e “normal” de ser.» O mundo tem desenvolvido uma “ontologia da morte”, como argumentaram Paul Tillich e Hans Jonas, cuja concepção no modernismo tende a explicar que o destino de tudo o que vive é voltar à não-vida. 

«Uma ontologia da morte mantém que o mais provável, natural e inteligível estado do ser é a morte, não a vida» (Haught). Logo, um milagre tende a contradizer este sentido que se dá à realidade, ao nível da ontologia, não ao nível do materialismo. Por um milagre se opôr a uma visão materialista da realidade, não quer dizer que se oponha à ciência. É claro que um materialista ateu pensa o contrário, mas que reconheça que pensa assim, e que a sua palavra não é absoluta ou última, pois existem outras visões da realidade que vão, inclusivé, mais longe que a sua e com poder explicativo mais abrangente. 

A visão Cristã do milagre é aquela que rompe com tudo aquilo que proibe o que é, por último, novo, sem que esse novo se oponha à ciência, mas pelo contrário, estimule o desenvolvimento científico.
Os milagres de Jesus ontem, e hoje, possuem o seu valor último nos “últimos tempos”, ou seja, valor escatológico por anticipação, imprimindo uma dinâmica da compreensão da novidade na evolução do mundo. Se quisermos, os milagres são expressão da metafísica do futuro, que pode ser um contributo da fé Cristã para o desenvolvimento da ciência na medida em que mantém a mente aberta ao que de novo pode ainda emergir no universo.
É, por isso, desnecessário e enganador falar de uma suspensão de leis quando nos referimos a milagres, o que pode mesmo impedir que alguém, educado cientificamente, possa reter uma visão mais correcta da acção de Deus. É verdade que é muito mais simples e fácil pensar nos milagres como a forma que Deus tem de mostrar que as leis da natureza podem ser quebradas, mas é muito menos desafiante e, por isso, muito mais provavelmente uma ideia incorrecta da realidade.
Em suma, os milagres são uma contradição, não das leis da natureza, mas da ontologia de morte que subjaz a uma visão naturalista do mundo. Logo, acreditar em milagres é, sobretudo, crer que todo o universo atravessa um processo de transformação criativa, tal como dizia Teilhard de Chardin, onde o «futuro é melhor que qualquer passado», onde o desafio está na realização ontológica do primado da vida sobre a morte que o materialismo vê como a condição normal e inteligível do estado de ser.