Um dia recebi de um grande amigo a notícia de que tinha deixado de acreditar em Deus. Fiquei perplexo porque o nosso caminho partilhado na fé foi intenso, cheio de actividades e formação. Porém, diante da sua partilha, cometi um erro crasso.
O que fazer quando alguém te partilha que deixou de acreditar em Deus? É esta a questão que está na base da minha experiência. O meu erro foi simples, entendi o seu problema como algo que merecia uma resposta. Como naquela fase da minha vida estava fascinado com a leitura de diversos temas de teologia, pensei que podia esclarecer as suas dúvidas com o que estava a aprender.
Por outro lado, o facto de ter ele deixado de acreditar em Deus porque, dizia – “a ciência explica tudo” – além de me parecer um salto demasiado alto e improvável, como eu trabalhava em ciência, achei que os motivos não tinham fundamento.
Na prática, procurei ir ao encontro da sua experiência com a resolução do problema teológico que o tinha levado a tomar essa opção de vida. É este o erro crasso.
Quando alguém nos partilha as suas dúvidas de fé, ou descrença, e sabe que somos crentes, o que está à espera? Como o nosso passado estava repleto de discussões interessantes, pensei que seria essa a via, mas quando alguém tem dúvidas de fé, o mais certo é que não pretenda resolver um problema teológico. O que pretende é bem mais simples do que isso: que o escutem até ao fim.
Um crente deveria desenvolver melhor a capacidade de uma escuta atenta e sem filtros. Isso significa calar, ou fazer algumas perguntas que ajudem ir mais a fundo na partilha do outro e razões da experiência que está a fazer. Por vezes, por detrás de uma conversão ao ateísmo está uma experiência dura de vida, com problemas pessoais, familiares, e se não escutarmos atentamente até ao fim, perdemos a oportunidade de perceber as verdadeiras razões da exepriência.
Sem filtros porque se procuramos a resposta teológica às dúvidas de fé do outro, o mais certo é perder o âmago real daquilo que nos partilha, de tal modo que corremos o risco de responder a algo diferente daquilo que nos está a partilhar.
Uma escuta atenta mantém-nos fixos no momento presente e quando o fazemos, completamente desapegados daquilo que (achamos que) sabemos, é uma escuta que se torna plena e pode revelar aspectos profundos sobre o caminho de fé do outro, e ser uma oportunidade de caminharmos, também, na fé com o outro.
Há problemas teológicos, mas entre amigos, os problemas são mais pessoais e a melhor resposta a dar é um coração aberto que vai para além da contradição de argumentos e acolher a dor vivida no coração do outro.
O que me consola diante de erros crassos, como o que cometi, é que podemos sempre recomeçar. Olhar o outro, e nós mesmos, com olhos novos e experimentar das poucas coisas que asseguram uma escuta atenta: um silêncio interior que responda à dor com amor.
Obrigada Miguel por esta clareza! Eu também tenho constatado que toda a explicação , ou quase toda, no fundo é arrogância. É pretendermos ter a resposta como grandes sábios, mas a verdade está no nosso ‘nada’ habitado pelo Tudo. Diante do outro (onde existe o Tudo…) só nos cabe estar como ‘nada de amor’. É depois o outro que encontra depois dentro de si a imensidão que o habita. Tem sido a minha experiência dos últimos tempos..
Obrigado a ti pela partilha 🙂