Por vezes espera-se da ciência algo que essa não pode dar.
Por vezes espera-se da religião algo que não é suposto dar.
O que deveríamos esperar então?
Esperar o quê da ciência?
A ciência avança através do progresso das teorias que desenvolve. Há teorias que acabam por ser substituídas por outras, mas cada substituição é sempre um passo progressivo na explicação das coisas. As questões científicas no tempo do Eclesiastes não são as mesmas que no tempo de Galileu, ou Newton, Einstein ou Stephen Hawking.
As questões em ciência progridem acompanhando o progresso do próprio conhecimento, conforme este se aproxima cada vez mais da verdade.
Esperar o quê da religião?
A religião é diferente. Feita de profundidade que vai ao âmago do porquê das coisas, não sendo progressiva. As realidades estudadas pela teologia não são do mesmo teor que em ciência. Desenvolver não é progredir nas teorias, mas aprofundá-las.
As questões permanecem as mesmas. Qual o sentido da vida e do universo? Porque existem alguma coisa em vez de nada? Quase nos dá a ideia de, pelo facto das questões não progredirem, que tanto a filosofia como a teologia não progridem também.
Esperar a diferença de ambas
Aliás, esta diferença entre as questões expressou bem Bento XVI na sua Carta Encíclica Spe Salvi (24) quando afirma:
“Retomemos agora a questão: o que é que podemos esperar? E o que é que não podemos esperar? Antes de mais, devemos constatar que um progresso por adição só é possível no campo material. Aqui, no conhecimento crescente das estruturas da matéria e correlativas invenções cada vez mais avançadas, verifica-se claramente uma continuidade do progresso rumo a um domínio sempre maior da natureza. Mas, no âmbito da consciência ética e da decisão moral, não há tal possibilidade de adição, simplesmente porque a liberdade do homem é sempre nova e deve sempre de novo tomar as suas decisões. Nunca aparecem simplesmente já tomadas em nossa vez por outros – neste caso, de facto, deixaríamos de ser livres. A liberdade pressupõe que, nas decisões fundamentais, cada homem, cada geração seja um novo início. Certamente as novas gerações, tal como podem construir sobre os conhecimentos e as experiências daqueles que as precederam, podem haurir do tesouro moral da humanidade inteira. Mas podem também recusá-lo, pois este não pode ter a mesma evidência das invenções materiais. O tesouro moral da humanidade não está presente como o estão os instrumentos que se usam; aquele existe como convite à liberdade e como sua possibilidade.”
Por isso, não podemos esperar da ciência o porquê das coisas, mas o modo como funcionam.
E do mesmo modo, não podemos esperar da religião o como das coisas acontecerem desta, ou daquela forma, mas o seu sentido e significado.
Este é o fundamento do diálogo entre ciência e religião. Não falarmos o mesmo, mas encontrar a unidade na diversidade de olhares sobre a realidade ao nosso redor.
Questão: houve algum tema em que o contraste de olhares entre ciência e religião se transformou em contradição?