Ligamos o televisor à hora do telejornal e frequentemente tomamos contacto com a morte de seres humanos por acidentes, actos terroristas, homicídios; nas questões ligadas ao aborto todos valorizam a vida, mas alguns afirmam que a vida pode depender da vontade e de uma escolha de outrém, alienando-se da vontade silenciosa do próprio embrião; quando alguém se encontra no fim da sua vida, quando deixou de ser “útil” à sociedade, porque não morrer? Esta insensibilidade crescente relativamente à vida humana, contrasta com o extraordinário evento ocorrido em 2003, depois de 13 anos, de conhecermos por completo (embora não compreendamos totalmente) o genoma humano.
O genoma humano é constituído pelo ADN (Ácido DesoxirriboNucleico) de um organismo, contém 6 mil milhões de nucleótidos, moléculas como Adenina (A), Citosina (C), Guanina (G) e Timina (T), e está distribuído por 24 cromossomas. Cada cromossoma possui vários genes que contêm toda a informação de como aparenta e funciona o nosso corpo. Estima-se que o ADN humano possua entre 20,000 e 25,000 destes genes ‘informativos’. Um conhecimento como este é o fruto da beleza na ciência e tecnologia, cujos benefícios incluem revolucionar os meios de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças genéticas graves, para além de proporcionar uma maior compreensão da biologia humana. Porém, como afirmou o Cardeal Ruini num encontro de casais e famílias a 26 de Novembro de 2005, “é quando se termina o mapa do genoma humano, que certamente representa uma grande aquisição de conhecimento, com consequências de extremo interesse para o futuro do homem, que se está a perder o mapa do existir humano, que se está a perder as coordenadas da dignidade e do destino da vida humana”. Se este acontecimento tecnológico traz uma luz nova sobre o existimos-como, donde vem a insensibilidade relativamente à vida na sua expressão mais frágil? Talvez uma maior sensibilidade à vida implique saber, para além do como, que existimos-para e existimos-porque, ou seja, implica que a vida tem sentido e significado. Mas que sentido e significado? A resposta poderá estar no fenómeno da Evolução.
No dia 7 de Julho de 2005 é publicado no New York Times um artigo escrito pelo Cardeal Schönborn, arcebispo de Viena, na Áustria, intitulado “Procurando o Desígnio na Natureza”, que causou alguma polémica entre cientistas e teólogos. Nesse artigo onde se constrasta Criação e Evolução, o Cardeal Schönborn afirma que a Igreja proclama que pela “luz da razão, o intelecto humano pode discernir intenção e desígnio no mundo natural”, mas depois afirma que “teorias científicas que procuram explicar o desígnio [do mundo] como resultado do «acaso e necessidade» não são de todo científicas”. Estas afirmações suscitaram diversas críticas a ponto do próprio Cardeal ter iniciado em Novembro de 2005 uma série de catequeses sobre o papel de Deus-Criador na Evolução. Porém, esta polémica do papel de Deus na Evolução começou em 1859, quando Charles Darwin publica o seu famoso livro sobre a Origem das Espécies, onde relata a descoberta de que mutações dentro de uma espécie ocorrem aleatoriamente, tal que a sua sobrevivência depende da capacidade de cada espécie em adaptar-se ao meio ambiente. Darwin chamou a esse princípio de Selecção Natural. Muitos biólogos evolucionistas interpretaram este princípio como associado a uma evolução orientada pelo acaso e pela necessidade, desprovida de qualquer fim ou propósito, questionando seriamente a acção de Deus no destino do Universo. Será que o caminho traçado por milhares de milhões de anos de evolução pelo fenómeno vida é obra do puro acaso? Ou haverá uma direcção apontada pela evolução que nos permite, inclusivé, entender melhor a acção de Deus no processo evolutivo da vida?
Para responder a estas questões não basta ter em conta apenas a evolução humana, mas a cósmica, englobando assim todo o Universo. Sabe-se hoje que o Universo começou há 15 mil milhões de anos atrás com uma grande explosão, o Big Bang. Desde então, as primeiras partículas elementares –protões, neutrões, electrões – unem-se para formar os primeiros átomos. Depois, da união dos primeiros átomos formam-se as primeiras moléculas que, mais tarde, compõem nebulosas de poeira cósmica em torno de um gigante reactor nuclear (sol) cuja luminosidade, calor e campo gravitacional leva à formação de planetas. Num destes conjuntos (sol+planetas), a que chamamos sistema solar, há cerca de 4.5 mil milhões de anos atrás, formou-se o planeta Terra. Imaginemos agora que se conseguiu reunir toda a informação da história da Terra em 10 volumes, de 450 páginas cada, ou seja, cada página contém 1 milhão de anos de história. A vida surge no início do 2º volume, página 100, há 3.5 mil milhões de anos; no início do 6º volume aparecem as primeiras células Eucarióticas, a base das células das plantas e animais; por volta da página 385 do 9º volume acontece um cataclismo que provocou a extinção dos Dinossáurios. A nossa espécie, o homo sapiens sapiens surgiu apenas à 100 000 anos, o que significa que a nossa história até ao nascimento de Cristo ocupa o último parágrafo da última página da história do nosso planeta. Como é possível que tenhamos chegado tão longe em tão pouco tempo? Seremos o fruto do acaso ou da providência divina?
O acaso associa-se a um rumo evolutivo do homem sem sentido, mas segundo Teilhard de Chardin (1881-1955), padre jesuíta e paleontólogo, o facto da história da evolução cósmica começar pelos átomos, moléculas, compostos orgânicos, células, plantas, animais, até chegar ao homem, significa que existe um percurso no sentido de uma crescente complexidade, implicando necessariamente que o Universo é algo incompleto e caminha para a unidade como característica essencial da Evolução: ser é tornar-se. Segundo John Haught, teólogo americano, isto quer dizer que Deus não criou um mundo perfeitamente constituído desde início, mas cria ainda o mundo, e por isso, vivemos numa “evolução criativa” onde cada um de nós, com a sua vida, colabora na criação do mundo com Deus. Se a evolução do homem está em tornar-se, no seu “dever ser”, em que é que este se deve tornar? De acordo com Teilhard de Chardin, ou Piero Pasolini (físico italiano), o futuro do homem é tornar-se Cristo. Por isso, a evolução humana prossegue, não num sentido biológico, mas de acordo com a Selecção Natural, adaptando-se ao seu meio ambiente, cuja crescente complexidade tende para a unidade. Uma unidade motorizada por um amor dedicado totalmente aos outros, que é imagem do amor de Cristo. Sendo assim, poderíamos afirmar que de entre outras coisas existimos-como seres com um ge
noma que nos constitui, existimos-para um mundo mais unido – sentido da evolução cósmica – existimos-porque um Deus, por um acto de Amor total, “contraiu-se” ao ponto de criar espaço para que um Universo pudesse existir. Nesta perspectiva, qual então o sentido da vida? Evoluir.
noma que nos constitui, existimos-para um mundo mais unido – sentido da evolução cósmica – existimos-porque um Deus, por um acto de Amor total, “contraiu-se” ao ponto de criar espaço para que um Universo pudesse existir. Nesta perspectiva, qual então o sentido da vida? Evoluir.