Fará sentido usar as outras religiões para fazer valer as razões por nos mantermos ligados à nossa, ou desligados de qualquer uma? Não desconfio das religiões, mas das pessoas que consideram a sua como A “certa.” Não existem religiões certas ou erradas. Existem pessoas que têm a mente aberta para umas coisas, e fechada para outras. Existem pessoas com uma experiência forte numa religião, outras com experiências superficiais, e outras sem desejo ou intenção de ter qualquer experiência religiosa. Existem pessoas, simplesmente, e a humanidade faz-se mais de caminhos do que destinos. Penso serem mais importantes os desconfortos pelas diferenças nas experiências espirituais, do que os confortos provenientes de falsas certezas.
Numa eucaristia, o sacerdote expressou uma visão do budismo como uma experiência de alienação dos sentimentos. Confesso conhecer pouco o budismo, mas pelas experiências que tenho lido, por exemplo, do jornalista americano Dan Harris em “10% Mais Feliz,” existe mais uma orientação dos sentimentos, do que uma alienação. Por isso, não me pareceu correcto criticar uma determinada religião para fazer da suposta diferença uma razão válida para as nossas escolhas religiosas.
O contexto cristão que conheço abre a perspectiva que tenho de Deus como Alguém que conheço sempre um pouco mais, mediante um relacionamento profundo com Ele. Contudo, quem Ele é permanece por detrás da núvem do não-saber, onde existe sempre mais, e mais para aprender. De Deus saberemos sempre muito pouco, e podemos sempre saber um pouco mais, bastando abrir a mente, o coração, e as mãos a uma vivência intensa do momento presente.
Há qualquer coisa na religião que desconheço que fala sobre a religião que conheço. Não é o contraditório que alimenta a minha experiência religiosa, mas o contraste. E há beleza no contraste, como diria Alfred North Whitehead. Porque se tudo é bonito, tudo é monótono. Se tudo for feio, tudo é caótico. Por isso, o que é belo faz-se do contraste entre o bonito e o feio. Faz-se de movimentos aleatórios que mais tarde se convertem em padrões inesperados. Faz-se de ordem a partir do caos.
A presença de muitas religiões à face do planeta poderia dar-nos a sensação de uma grande confusão espiritual, de tal modo que demonstraria como não é sensato aderir a nenhuma em particular. Mas, por que razão deverei abdicar da religião para dar sentido à minha experiência do mundo? Ou por que razão deverei optar por uma religião, ou uma religião diferente da minha, para dar sentido à vida? A vida não é só feita das cores que conhecemos, ou conseguimos discernir, mas antes de uma infinidade de cores.
Se nascesse num país budista, o mais provável é que fosse budista. Mas como nasci num país de matriz cristã, sou cristão. Parece que a nossa experiência religiosa está mais marcada pelo percurso exterior feito pela cultura onde nascemos, do que por via de um acto interior resultante de um percurso pela via espiritual. Soa que as escolhas religiosas das pessoas não sejam autênticas, e talvez seja verdade. No início pelo menos.
Alguém poderia pensar que as minhas palavras soam a um certo relativismo religioso, no sentido em que não importa a religião ou a-religião a que aderimos porque tudo vale e tem o seu lugar. Aliás, cada um sabe de si, certo? Mas, se assim fosse, significa que cada um vive a “sua” verdade? Então, isso poderia querer dizer que não há uma só verdade, mas muitas. E as razões para escolher fazer parte de uma religião são tão válidas quanto escolher fazer parte de outra religião. A mim parece-me que este tipo de raciocínios advém de uma visão muito redutora (lá está, relativista) do papel que a religião representa na vida de uma pessoa.
Há qualquer coisa na visão budista da experiência espiritual humana que me ajuda a compreender melhor a visão cristã da minha experiência espiritual. As linhas que demarcam tudo o que vemos neste mundo podem ser vistas como traços separadores ou unitivos. Eu prefiro o último ponto de vista, o unitivo. Nesse sentido, as linhas são fronteiras bem definidas que nos permitem apreciar o constraste. Caso contrário, fazemos a experiência de uma visão turva da realidade que pode induzir num stress espiritual agonizante.
A diferença das experiências religiosas são uma riqueza para a vida espiritual de cada pessoa. Usar a diferença para validação da minha experiência, reduz a potencialidade que essa diferença encerra. Quantas vezes não poderíamos ser mais serenos como os budistas, ou os budistas mais activos como os cristãos. Mas se procurar bem, até poderei encontrar o que pensava não existir. Por isso, as diferenças levam-me a pensar como não sabemos tudo sobre as nossas esperiências espirituais, tal como sabemos tão pouco sobre Deus.
Valorizar a diferença entre experiências espirituais parece-me ser um acto humilde e sábio que nos aproxima da Realidade e da Verdade através de uma mente aberta às escolhas dos outros, sem perder com isso a identidade das suas próprias escolhas.
Penso que o cerne da experiência cristã e que nos diferencia de todas as outras realidades de fé (com todo o respeito que possamos ter por elas) está mencionado no seu 2º parágrafo: a celebração da Eucaristia. A Eucaristia é o ponto alto da Igreja fundada pelo próprio Cristo em que ele nos convida a participar, mesmo se indignos, da ceia do Senhor. É uma experiência de transcendência somente possível pela graça que nos foi concedida pelo próprio Cristo, quando disse a Pedro: “…tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja…” Temos o privilégio de pertencer a Igreja fundada pelo próprio Cristo, o Verbo encarnado. Não é por mero descuido que nenhuma Igreja possui janelas onde se possa ver o exterior. Porque quando se entra neste ambiente, passa-se a uma realidade atemporal que não é possível fazer-se individualmente.