”A fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem.” (Heb 11,1)
Ou seja, a fé é garantia de esperança. Quem abraça a fé, sabe esperar e acolhe a esperança. E depois afirma que a “fé é … certeza das (coisas) que não se vêem.” Logo, quando partilhei nas redes sociais uma frase de Anne Lamott de que ”“ O contrário de fé não é dúvida, é a certeza.”, houve quem tivesse … bom, dúvidas.
Nos sites brasileiros encontra-se a palavra dúvida como antónimo de fé, ou seja, os significados de dúvida e fé opõe-se. No significado da palavra fé que vem de fides encontramos alusões à adesão absoluta ao que se considera verdadeiro, um estado de confiança, etc., ou seja, tudo aponta para uma interpretação da frase de S. Paulo aos Hebreus em direcção a uma consonância entre a palavra fé e a palavra certeza.
A frase de Anne Lamott ecoou em mim, e ecoaria em pessoas como Tomas Hálik (vencedor do prémio Templeton 2014) pelo que li no livro “O abandono de Deus”. Em mim ressoou por uma experiência pessoal que tive, em que um Professor me perguntou o que era para mim a fé, e a resposta expontânea – aquela que vem de dentro, não uma racionalização pré-concebida – afirmou, “a fé suscita-me dúvidas.”
Mais tarde procurei explorar por que razão teria respondido daquela forma e encontrei na dúvida o motor impulsor de uma fé mais profunda porque nos impele à procura.
A dúvida desintala-nos daquilo que pensamos saber para nos aventurarmos na procura de respostas que dêem sentido e significado à experiência de confiança que fazemos. Logo, como podem fé e dúvida opôr-se?
Fé < — > Dúvida
A fé proporciona uma experiência de confiança, mas não de certeza. A certeza que entra no âmbito da nossa vida relacionado com a fé, em vez que incitar à procura, cristaliza, fixa-nos em ideias, criatividade, e não permite um aprofundamento adequado da fé.
Deus é um mistério insondável. De Deus apenas sabemos quão pouco sabemos. Logo, não há maior antónimo de fé do que aquilo que nos impede de aprofundar sempre e cada vez mais a realidade de Deus. A certeza.
Estarão as etimologias, os dicionários, … errados? Claro que não. O problema não está nas definições literárias e etimológicas. O problema está quando as procuramos traduzir em vida e não encaixam com a nossa experiência. Se a linguagem fosse confundida com literalismo, não haveria poesia que nos encantasse, romances que nos emocionassem, ideias que nos inspirassem. Portanto, o problema é o literalismo. Estarão as palavras de S. Paulo erradas? Depende do que entendes por “aquilo que não se vê.” O que não se vê é a meta, mas dessa podes ter a certeza, caso contrário, não caminhas, vagueias.
Naquilo que diz respeito à fé, ou ausência de fé, quando vividas intensamente, não podem senão levar-te a uma busca incessante por compreender aquilo em que confias. A dúvida, não a certeza, é a melhor forma de empreenderes nessa aventura. Na dúvida formulas o próximo passo a dar no caminho do sentido e significado da experiência de vida que fazes.
Questão: ainda acreditas que fé e dúvida são antónimos?