Wolfhart Pannenberg, teólogo alemão, no seu livro “Fé e Realidade” reconhece a dificuldade de definir o que se entende por realidade pela ampitude do seu significado. «’Realidade’ [- diz-nos Pannenberg -] … significa quase o mesmo que ‘o todo do ser’, apesar de significar, de facto, mais do que a mera presença das coisas.[i]» Para Hegel, a realidade unia a essência do ser à existência desde que fosse uma união efectiva, experimentada e directamente relacionada com o todo. «O mais alto grau de realidade encontra-se ao nível do qual existe uma unidade completa de toda a realidade que pode ser por nós experienciada» (Pannenberg). Para aquele que acredita em Deus, o seu encontro com Ele é uma realidade cheia de surpresas e de eventos novos, logo, pela relação que o crente estabelece com Deus, a realidade é compreendida como histórica, onde o passado está presente e visa o futuro.

Se pensarmos o que é real como aquilo que é experienciável, manifestado pela história construída por essa experiência, ela existe enquanto houver materialidade “e” tudo o que está para além dela, de modo que polarizar num ou no outro aspecto é enviezar o que é real. Exemplo simples sem ter a ver com a fé: o nosso corpo é feito de matéria (materialidade) e constituído a partir da informação (imaterialidade) contida no nosso DNA.

Ignorar a realidade, é ignorar o todo, incluindo os seus aspectos imateriais, o que é incompatível com a fé, uma vez que a fé assenta tanto na realidade material, como num acto de confiança naquilo que está para além da materialidade. Para quem não é crente, a fé não possui uma base religiosa, mas isso não significa que não exista e pode mesmo ser acolhida como um dom de abertura ao Mistério. Neste caso, acolher significa um gesto interior de abrir-se ao Mistério. O que torna importante explicar o que se entende por “Mistério”. Num post anterior disse um pouco o que pensava sobre esse entendimento. Nesse perguntava se existe alguma forma de compreender um Mistério que, por definição, está para além da compreensão e a resposta encontrava-a na “vivência do Mistério”, referindo Pannenberg que diz a «abertura ao mundo para além de si mesmo expõe o organismo à historicidade única da sua experiência de vida». Logo, a realidade como História é Mistério e se tomarmos em conta a contribuição da fé (particularmente da fé em Deus), apenas à luz do futuro é que podemos compreender o passado e o presente. Logo, redescobrir o valor do Mistério seria redescobrir a vida e a história que brotam a partir de uma fé que não se fecha sobre si mesma, mas abre-se ao mundo no seu todo.



[i] Wolfhart Pannenberg (1977) Faith and Reality, Search Press, p. 8

[ii] Denis Edwards (1999) Human Experience of God, Ed., p.17.

[iii] Ibidem., p.20.