Não é só relativamente à pena de morte que o Catecismo da Igreja Católica devia mudar.

Como cientista duvidar é uma postura fundamental que mantém a minha mente aberta a uma explicação melhor, ou mais profunda da realidade que pretendo conhecer e interpretar. Duvidar voluntariamente é o acto daquele que reconhece não saber tudo e manifesta um desejo quase insaciável de querer saber. Quando duvido não rejeito o que acredito, mas coloco em causa o que sei, ou penso saber. Duvidar é aceitar as limitações daquilo que sei na confiança que há muito mais para saber, e que posso compreender melhor o que penso que sei. Por tudo isto, quando me deparei com o número 2088 do Catecismo da Igreja Católica …

  1. O primeiro mandamento ordena-nos que alimentemos e guardemos com prudência e vigilância a nossa fé, rejeitando tudo quanto a ela se opõe. Pode-se pecar contra a fé de vários modos: (…) A dúvida voluntária em relação à fé negligencia ou recusa ter por verdadeiro o que Deus revelou e a Igreja nos propõe para crer. A dúvida involuntária é a hesitação em crer, a dificuldade em superar as objecções relacionadas com a fé, ou ainda a angústia suscitada pela sua obscuridade. Quando deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do espírito.

… como cientista católico fiquei intrigado. O primeiro mandamento no antigo testamento é Amar a Deus sobre todas as coisas. Depois, com Jesus, ouvimos que o primeiro e maior de todos os mandamentos é Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. (Mt 22, 37) Como pode este mandamento “ordenar” que “alimentemos e guardemos com prudência e vigilância a nossa fé, rejeitando tudo quanto a ela se opõe”? É um salto incompreensível na sua interpretação.

O primeiro mandamento pede algo muito simples: que amemos a Deus acima de tudo, incluindo aquilo que sabemos. Pede amor, não ordena. Depois, o modo como Jesus nos ajuda a aprofundar o que isso significa é esclarecedor. Amar com o coração (com as emoções e a psique), a alma (que significa todo o meu ser) e com a mente (com a inteligência). Quem duvida procura aprofundar aquilo em que acredita e usa o coração, a alma e a mente para amar diante da perplexidade daquilo que não sabe, ou não sabe ainda.

Onde no catecismo está escrito dúvida voluntária faria mais sentido cepticismo voluntário. Onde está escrito dúvida involuntária faria mais sentido estar hesitação involuntária.

O Catecismo e muitas pessoas param perante o cepticismo e a hesitação, que são diferentes de dúvida (voluntária ou involuntária). O propósito da dúvida é bem mais dinâmico. É um ponto de encontro de crentes e não-crentes e um impulso no aprofundamento da fé. É o momento de pausa em que no silêncio – como Maria – nos dispomos a escutar o que Deus nos quer dizer, ensinar e iluminar.

Creio que ao contrário do que afirma o Catecismo, o que acontece mais frequentemente, é a ausência de dúvida levar à cegueira da fé, de tal modo que corremos o risco de nos fixarmos em certezas incertas e cegas, retirando espaço à procura, e ao que o Espírito Santo pode fazer em nós. Certezas que nos podem levar a não querer aprofundar a nossa fé e a não usar a inteligência que é dom de Deus. É disto que tenho medo. Daqueles que estão tão certos que deixam de querer saber.

A frase mais bela que a dúvida suscita é “não sei.” É o gesto que abre a porta do coração, alma e mente ao desejo insaciável de querer saber que encontra a sua plenitude numa união cada vez maior e mais profunda com Deus.