Num post anterior argumentei como um milagre constitui um grande desafio à nossa visão do mundo, bem como não constitui uma suspensão ou violação das leis da natureza. Assumindo estes pressupostos, podemos considerar um milagre como um evento de muito baixa probabilidade que ocorre no espaço de possibilidades que caracteriza a contingência do mundo. Assim sendo, o que distingue milagre de um “golpe de sorte”?
Patrick Theillier, médico que faz o acompanhamento dos doentes no Santuário de Nossa Sra de Lourdes, afirma que para uma cura ser considerada um milagre existem duas condições necessárias: a mudança radical na progressão expectável de uma doença (o facto anormal) e a fé do próprio doente ou de alguém muito próximo na intervenção de Deus (o facto significante) que ocorre no plano da existência, isto é, da realidade na sua totalidade, não sendo assim considerada como “intervencionista”, dito de outra forma, como uma causa entre outras causas.
No que diz respeito ao facto anormal, a ciência apenas verifica que houve uma transformação profunda entre o antes e o depois e nada diz sobre o “como” se deu esse milagre, mas poderia fazê-lo? Penso que sim. Aliás, Patrick Theillier esclarece que a equipa de médicos que se pronuncia sobre o milagre é convidada a investigar possíveis causas naturais ou médicas para a cura “milagrosa”. Isto implica que, ao contrário do que se possa pensar, um milagre constitui um enorme motivo de estímulo ao humilde desejo de conhecer as causas inteligíveis associadas ao funcionamento do mundo, ou seja, a fazer mais e melhor ciência.
No que diz respeito ao facto significante, ou seja o porquê de tal cura, compete à Igreja dar o seu parecer, para avaliar em que medida se verifica a mudança “interior” do milagre. Então, será preciso ter fé para acreditar num milagre? Não necessariamente pois o próprio milagre pode conduzir à fé.
Em suma, não chega haver um “golpe de sorte” (facto anormal) para haver um milagre, pois o seu significado e implicação para com a fé (facto significante) são determinantes. Alguém me perguntou recentemente se haveriam milagres em igual número comparando um mundo com Deus e um mundo sem Deus. Dado que a fé N’Ele é determinante para se considerar um milagre como tal, a presença de Deus no mundo faz toda a diferença.
Sobre os milagres tenho uma posição muito simples: acredito em todos os praticados por Jesus e relatados no Novo Testamento. A minha base para acreditar é a fé. Sem a fé não se pode ser cristão. Mas acreditar não significa uma aceitação literal de todas as narrações.
Quanto aos restantes milagres, incluindo Fátima e Lourdes, considero-os como revelações privadas e por isso entendo que não são objecto de fé nem necessitam de aceitação dum crente.
Caro António,
obrigado pelo teu comentário que partilho, embora me pareça que os milagres de Fátima e Lourdes, não sendo objecto de fé, possui implicações para a fé.
Implicações para a fé? Não apanhei o sentido desta afirmação.
Refiro-me a experiências do género que Theillier conta no seu livro onde as implicações para não-crentes, relativamente a milagres em Lourdes, foi passarem a acolher a fé como o dom que ela é.
Caro Miguel
Vou comprar o livro e ler com atenção. Gosto de conhecer perspectivas diferentes da minha.
Um abraço
p.s. – Admiro a sua paciência no blogue do Ludwig. Andei por lá vários anos e fiquei cansado. Os temas repetem-se, a troca de comentários torna-se circular e muitas vezes resvala para o insulto gratuito. Também colaborei para a crispação do ambiente, algumas vezes, e penitencio-me por isso.
Caro António,
de facto a circularidade de argumentos é uma das características de quem comenta frequentemente no blog do Ludwig (ele inclusivé) e, reconheço, nós próprios. Quando comento procuro sempre perceber a ideia chave por detrás do comentário do outro. Por vezes apercebo-me que não há propriamente ideia nenhuma, mas sim uma vontade genuína de querer ter razão sem qualquer sofisticação filosófica.
Ao dizer isto, também penso o quanto não tenho ainda para aprender e melhorar. Aprofundar o ateísmo tem-me levado a pensar como esse parece ter deixado de colocar desafios a si próprio.
Na fé questionamos todos os dias, e somos constantemente desafiados pela Verdade que não se esgota, mas qual o seu paralelo no ateísmo? Sem Deus, fica o vazio que só pode ser preenchido com o ser humano e daí o voltar-se para o “eu” como fonte de conhecimento de todas as coisas, que encerra em si mesmo a totalidade da realidade. Eu penso, que levado a sério, o ateísmo coloca tantos desafios que obrigaria estes que encontramos na blogosfera a perder mais tempo em compreender a opção que tomam, do que aquilo que realmente por ali lemos.
Enfim … é preciso ser como Deus … paciente …
Olá a ambos.
O miguel já teve ocasião de esgrimir uns argumentos comigo pelo que já não sou um completo desconhecido. Quanto ao Fernando Parente, apenas lhe conheço uns comentários nos posts “Ciência vs Religião” quase completamente vãos para ambas as partes publicados no blog do Ludwig.
Gostaria de partilhar convosco uma peça deste humorista/satirista Norte-Americano já falecido (George Carlin) que toma como tema de fundo a Religião:
O meu desafio/teste para vocês é saber se se conseguem rir em alguns momentos que sejam. Se sim, então terei que vos conceder que a vossa religiosidade é saudável. Caso contrário, concluirei que é uma perda de tempo interagir convosco.
Meus melhores cumprimentos,
acompanhados somente de 2 perguntas ao Miguel:
1) O que é que consideras haver de errado em não se possuir “sofisticação filosófica”. Se há coisa que abomino é “sofisticação filosófica”, não me considero no entanto minimamente diminuído por isso, nem intelectualmente nem a qualquer outro nível.
2) Gostaria sinceramente de conhecer algumas questões com que se debate diariamente um cristão como tu perante a tal Verdade que não se esgota. As questões com que eu me debato quando tenho tempo para isso, já as conheces (só para relembrar ao de leve, são as questões de um niilista que não se agarrou nem ao conforto das respostas da Religião nem ao pseudo-conforto das alternativas esboçadas por alguns “cientistas” que abusam no meu ver do nome da Ciência, restando-me apenas o tal vazio…).
apenas para recebr notificação da(s) tua(s) resposta(s). Fica bem.
Caro Gajo,
como sempre é um prazer ler um comentário teu 🙂
George Carlin faz uma excelente caricatura de muita “má” religião que anda por aí 🙂
Aproveito para partilhar-te um video onde o P. Barron de quem tenho escutado comentários muito interessantes, onde menciona uma parte da peça de Carlin:
Agora às tuas 2 perguntas:
1) não possuir “sofisticação filosófica” – para mim – é realizar afirmações absolutas com base numa mera intuição. É como querer forçar uma peça num puzzle, sem me ralar com as peças à volta e se a minha peça é no lugar onde a estou a colocar ou não. Todos podemos e falamos, em certa medida, filosoficamente, mas nem todos temos a sofisticação filosófica que sustente minimamente o que estamos a dizer. Isto não diminui ninguém, pode, sim, é diminuir a credibilidade daquilo que alguém afirma. Quando dialogo nos blogs procuro ao máximo que me é possível fazê-lo aperfeiçoando o discurso filosófico. Para isso não basta uma intuição (porque também é importante), mas importa o estudo e a conversão desse estudo em vida.
2) Se podia amar naquele momento, porque não o fiz? Lembrei-me de Deus a cada momento? Vi Jesus no outro a ponto de o amar como se fosse Jesus? Pensei em mim ou no outro? Fui capaz de abdicar do que penso para acolher o pensamento do outro? Levanto-me para ir fazer um acto de amor ou prefiro optar pelo comodismo? Quero comprar um novo telemóvel, estarei apegado ou desapegado da ideia? Perco tempo a amar este que me fez um comentário do qual nada gostei? Como posso criticar amando?
Um Cristão debate-se com a possibilidade de escolher a Verdade quotidianamente. As grandes questões também se debatem, por vezes diariamente, por vezes não, mas a sua formulação é usualmente a mesma: que lição espiritual posso tirar?
Abraço