No período do Iluminismo, “mistério” passou a ser um “enigma”, ou um “problema a resolver”, o que desvirtuou – penso – o que hoje se entende por “mistério”. Diria mesmo que é necessário recuperar o sentido de “mistério” nos dias de hoje. Sobre “mistério”, li num livro de Denis Edwards [1] que o “«mistério»… aponta para aquela dimensão da experiência humana que escapa à compreensão, e transcende-nos totalmente” (p. 17). Mas li ainda que este “…horizonte do ser sem limite é aquilo que chamo de «mistério»” (p.20). Porém, pergunto: existe alguma forma de compreender um Mistério que, por definição, está para além da compreensão?
Penso que a resposta é “viver o Mistério“. A raiz da compreensão do Mistério está na experiência humana da realidade como História (Pannenberg, [2]). Se o que é real é memória do passado, experiência do presente e um futuro que nos atrai, tudo o que encerra a totalidade do percurso da história do universo leva-nos a percepcionar que a realidade não é apenas o que materialmente existe, mas também tudo o que está para além da materialidade. Diz-nos Pannenberg que a «abertura ao mundo para além de si mesmo expõe o organismo à historicidade única da sua experiência de vida. Esta realidade histórica é, de facto, no seu sentido mais radical a vida própria do organismo e nunca pode ser adequadamente descrita simplesmente em termos do funcionamento das células vivas» (p.6)
A realidade como História é Mistério e se tomarmos em conta a contribuição da visão bíblica, apenas à luz do futuro é que podemos compreender o passado e o presente. Logo, redescobrir o valor do Mistério seria redescobrir a vida e a história que geram.
[1] Denis Edwards (1984) Human experience of God, Paulist Press.
[2] Wolfhart Pannenberg (1977) Faith and Reality, Search Press.