Ciência e Religião são desde há muito mais do que duas palavras. Na sua interacção homens entraram em conflito entre si, o homem dividiu-se em si mesmo, o homem aprendeu a dialogar com outros homens, o homem foi mais longe e integrou-as. O modo como Ciência e Religião interagem pode ser conflituoso, independente (NOMA – Non-Overlaping MAgisteria), dialogante ou integrador, seguindo a terminologia de Ian Barbour (2000). A forma como se abordam questões que entram em ambos os domínios tem muito a ver com a forma como as abordamos dentro de nós mesmos. Se somos crentes ou não, é um aspecto importante, mas não é determinativo para tornar impossível a interacção. Será que um crente é incapaz de ser cientista? Ou um cientista incapaz de ser crente? Será ser crente e cientista possível, desde que não se interseccionem? Será possível através da ciência esclarecer a fé? E através da fé, é possível dar sentido e significado à ciência?
A mim parece-me que Ciência e Religião só têm sentido e evitam paradoxos quanto dialogam. Desde o início da história da Humanidade que o Homem sabe que é um ser espiritual (Pasolini, 1992). Aliás, é muitas vezes através da existência de vestígios espirituais que o Homem identifica a sua espécie no passado. Porém, é também verdade que antes de haver “noosfera”, ou se quisermos, nível geológico da consciência, existiu a biosfera, e antes dessa não havia sequer manifestação de matéria orgânica. Logo, como pode matéria orgânica, que mais tarde resulta na consciência humana, ter surgido da matéria inorgânica? Teilhard de Chardin (1998) sugere que a consciência emerge a partir de um incremento de complexidade da matéria. Alfred North Whitehead (1967) sugere ainda que o Universo move-se no sentido de incrementar a Beleza nele existente, onde por Beleza se entende a harmonia de constrastes. Faz sentido se ambas as perpectivas se integrarem, tal que uma maior harmonia entre constrastes se atinge à custa de uma maior complexidade das relações existentes na Natureza. Logo, qual é o papel de Deus neste contexto? Mais ainda, se Deus pode viver imerso na sua divindade, por razão criou o mundo? Para quê precisa Deus de um mundo e será que o mundo precisa de Deus? Penso que se formos a fundo na questão: “quem é Deus?”, teremos uma maior luz para identificar o ponto essencial que sustenta o Universo sem entrar em conflito com a doutrina, nem violar as leis científicas.
Barbour, I. (2000) When science meets religion – enemies, strangers or partners?, Harper, San Francisco.
Pasolini, P. (1992) L’Avvenire migliore del passato – evoluzione scienza e fede, Città Nuova.
Teilhard de Chardin, P. (1998) O fenómeno humano, Paulus Editora.
Whitehead, A.N. (1967) Adventures of ideas, Free Press.
Oi Miguel!! Finalmente a criação esta consumada. Parabéns. E nada com começar logo com um pequeno artigo para lançar o tema. Muito bem. entre as várias questões que me surgem deixo-te uma: a consciência espiritual do Homem não virá apenas da sua percepção de mortalidade assim como a consciência científica vem da necessidade de a travar?
A questão é interessante mas não penso que esteja colocada da maneira correcta. A consciência científica não vem da necessidade de travar a morte, mas sim de explicar os <>como<> do Universo onde quer que eles existam. A consciência espiritual, por outro lado – como que a face oposta da mesma moeda – vem da necessidade do Homem em explicar os <>porquê<> e <>para quê<> do Universo. Mais profundo ainda, vem da necessidade em perceber porque tem <>necessidade<> sequer em saber. >>Um outro aspecto interessante da tua questão vem da ligação que fazes entre a consciência espiritual e a percepção da morte. Dois comentários. Em primeiro lugar, o que se entende por espiritual neste contexto. Não sou certamente a pessoa mais indicada para responder a isso, ou este o espaço para a resposta, mas intuitivamente espiritual entende-se aqui como a percepção do Homem de que pode <>escolher<> e é <>livre<> de o fazer. Portanto, quando toma consciência pela primeira vez na sua História da <>liberdade de escolha<>. Ora, o segundo comentário é que este salto ontológico na nossa espécie vem da <>experiência que o Homem faz de si mesmo<>. Uma experiência que é sensível e racional, ou seja, quando experimenta a razão e a emoção. Parece-me, nesse sentido, que tal experiência só pode vir da percepção da <>vida<>, onde a <>morte<> é parte integrante e não desintegrante. Este é, na minha opinião, um problema nos dias de hoje: separar a morte da vida. >>Para terminar, o facto da consciência espiritual se unir à científica no mesmo ser humano, demonstra-me que o modo privilegiado do Homem evoluir é no diálogo interior entre estas consciências, procurando a sua coerência.
Dizes, acerca da consciência espiritual… “Não sou certamente a pessoa mais indicada para responder a isso, ou este o espaço para a resposta”. Desde quando há espaços “próprios” para falar de espiritualidade? E tu, Miguel…Miguel… para quê linguagem tão rebuscada para dizer, simplesmente: Tem que existir ALGO, por detrás de toda esta magnífica existência tão variada, ALGO mais que tudo, que abrange tudo o que é antes, agora e depois…Tem que existir esse ALGO que dá sentido à imensa necessidade humana de se superar sempre, sempre insatisfeita, sempre querendo atingir o INATINGÍVEL, o INEFÁVEL…
Refiro-me a “espaço próprio” quando o que queremos dizer se torna mais longo que o espaço de um comentário, por isso, reafirmo que <>espiritual<> no contexto de <>consciência espiritual<> é um assunto que não aprofundei ainda o suficiente para dar uma opinião num comentário e ser esclarecedor.>>Penso que dizer que existe “ALGO” é pouco e vago. “ALGO” pode ter muitos sentidos mediante a linha de diálogo entre ciência e religião em que nos incluímos, i.e. – seguindo a tipologia de Barbour – se uma linha de conflito, independência, diálogo ou integração. >>Outro aspecto tem a ver com a expressão que usas de “linguagem rebuscada”. Da forma como esta expressão é incluída na tua frase parece ter um sentido negativo. Sou da opinião que a linguagem pode ser rebuscada, ou requintada, mas mais importante que isso é saber se nos fazemos entender com o que escrevemos ou não. Muito se pode dizer em poucas palavras, ou muito pouco com muitas. Pareceu-me que me estavas a incluir da segunda hipótese e aceito a crítica. >>Por fim, permite-me a pergunta: esse “ALGO” que está “por detrás de toda esta magnífica existência tão variada, ALGO mais que tudo, que abrange tudo o que é antes, agora e depois”, mas também que tem de existir porque “dá sentido à imensa necessidade humana de se superar sempre, sempre insatisfeita, sempre querendo atingir o INATINGÍVEL, o INEFÁVEL…”, o que é para ti?>>Posso adiantar-te que para mim é Deus Uno e Trino, mas isso advém da minha convicção religiosa, porém não deixa de ser uma questão controversa se pensares nos modos de interacção entre ciência e religião e que merece ser aprofundada para ser luz que guie o ser humano no sentido de uma visão mais integradora da relação entre Deus, a Humanidade e o Universo.