«Teorias científicas que procuram explicar o aparecimento de design [na natureza] como o resultado do ‘acaso’ e da ‘necessidade’ não são de todo científicas». Como esta frase exemplifica, num artigo publicado no New York Times, a 7 de Julho de 2005, o Cardeal Schönborn, arcebispo de Viena na Áustria, abala o mundo levando muitos teólogos Cristãos a questionar se a Igreja Católica teria mudado a sua opinão sobre a evolução, depois da declaração feita por João Paulo II, em Outubro de 1996 à Academia Pontifícia para as Ciências, onde afirmava que a teoria da evolução é mais do que uma hipótese. Mais tarde o Cardeal realizou uma série de catequeses onde procurou esclarecer o que não foi possível através do artigo no New York Times, e nessas afirmou que «se tudo é meramente o resultado do acaso e da necessidade, é difícil perceber porque deva ser atribuída qualquer dignidade às criaturas, ou porque lhes deva ser dada qualquer consideração sequer»[1]. Logo, o que pretendia demonstrar é a sua preocupação pela salvaguarda da dignidade de toda a criatura, em particular a humana e, neste último caso, evitar que o ser humano fosse considerado “o produto do acaso irracional  e sem sentido da evolução” (Bento XVI), porém, conota à partida o ‘acaso’ como algo de negativo para a compreensão da evolução cósmica e, em última análie, do próprio ser humano. O facto de insistir que o universo não é um jogo cego de forças insignificantes, mas antes expressão do “plano inteligente do cosmos”[2], afirmação, aliás, de Bento XVI, levou a que alguns pensassem que o Cardeal Schönborn estivesse a apoiar o movimento do Intelligent Design[3], mas como o próprio Cardeal afirma «não queiramos (…) tentar mostrar em toda a parte o ‘intelligent design’, (…) a Cruz é a chave do plano e decreto de Deus»[4]. Por um lado, existem diversas objecções científicas ao Intelligent Design como teoria alternativa à da selecção natural de Darwin, mas existem também objecções de natureza teológica pelo facto desta teoria relançar uma nova versão do conceito do “Deus-das-lacunas”[5]. Efectivamente, a leitura que Schönborn faz é que a visão Cristã não separa a esperança do sofrimento, mas vê juntos o cosmos e a Cruz. «Nesta visão, a Cruz (…) é a árvore da vida, a madeira sobre a qual a vida ultrapassou a morte, e o amor é vitorioso sobre o mal. O “plano inteligente do cosmos”, acerca do qual fala o Papa Bento XVI, é um plano de amor»[6].

Com estas palavras de Schönborn evidencia a dimensão fundamental do amor na compreensão da acção de Deus na Criação, esclarecendo a sua posição, mas – a meu ver – muito se poderá ganhar se considerarmos o papel do acaso e da necessidade na evolução do universo, colocando fé e ciência em diálogo.



[1] Christoph Cardinal Schönborn (2007) Chance or purpose?, Ignatius Press, p. 49.

[2] Ibidem. p. 137.

[3] O movimento Intelligent Design (ID) procura criar uma alternativa à teoria da selecção natural de Darwin e assenta em três hipóteses: 1) a evolução promove um ponto de vista ateu sobre o mundo, devendo por isso, ser rejeitada pelos crentes; 2) a evolução é fundamentalmente imperfeita pois não consegue explicar a complexidade da natureza; 3) se a evolução não é capaz de explicar a complexidade irredutível, terá de haver um arquitecto inteligente que forneceu os componentes necessários durante a evolução. Francis Collins (2006), A Linguagem de Deus, Editorial Presença, pp. 144-146.

[4] Criação e Evolução, ed. UCEditora (2007), p.98

[5] Conceito onde a acção de Deus preenche as lacunas do nosso conhecimento. Ver Collins (2006), op. cit., pp. 147-152.

[6] Schönborn (2007), p. 137.