Acabei de ler um livro excelente de Denis Edwards “Sopro de Vida” (Breadth of Life), onde este teólogo reflecte sobre uma teologia do Espírito Criador. Partilho-vos do capítulo final conclusivo o ponto 7 onde Edwards faz uma leitura teológica em diálogo com a ciência segundo um princípio de não-contradição segundo o qual a unidade da verdade é um postulado fundamental da razão humana [1].
«7. O Espírito “dá espaço” no interior das relações trinitárias em direcção à emergência de um universo no qual as entidades são constituídas pelos relacionamentos.
Apesar de reconhecerem que Deus transcende todas as noções de espaço e lugar, os seres humanos precisam ainda de imaginar, de alguma forma, a relação entre Deus e o mundo. Algumas imagens imaginativas são claramente inadequadas – inclusivé a ideia de um Deus que vive nos céus acima de nós, e a ideia de Deus como uma entidade ao lado do universo e que intervém nele em certos momentos. Uma imagem mais apropriada, muito embora permaneça necessariamente inadequada, é a da divina Trindade como o “lugar” do desvelar do universo. Esta representa uma forma de panenteísmo, a ideia de que todas as coisas estão em Deus. Num panenteísmo trinitário, o Espírito Criador pode ser pensado como aquele que “dá espaço” no interior do dinamismo da vida divina partilhada, para que um mundo de criaturas possa emergir. Um universo relacional pode ser pensado como evoluindo no interior da vida relacional de Deus. A ciência contemporânea coloca perante nós uma compreensão das entidades que constituem o nosso mundo como emergentes e relacionais. A entidades existem e possuem a sua própria integridade somente através dos seus relacionamentos constitutivos. Em teologia, a recuperação contemporânea de uma compreensão trinitária de Deus oferece uma visão de D’Ele como Comunhão caracterizada pela unidade relacional e pela diversidade. Nesta teologia, é a Comunhão que dá o ser às coisas e as torna. Quando estas intelecções da ciência e teologia são colocadas em mútuo diálogo, emerge uma visão da realidade na qual as entidades que constituem o nosso universo compreendem-se como emergentes e relacionais, possuindo a sua própria integridade, e evoluindo no seio do dinamismo da vida divina. O Espírito Santo pode ser pensado como o poder último de relacionamento, o amor que mantém todas as coisas em Comunhão divina.»
Mais à frente houve uma outra expressão que me chamou a atenção: «a natureza é radicalmente misteriosa».
Ao pensar sobre esta frase, dei-me conta que se algum dia, através da ciência, desvendássemos todos os enigmas da natureza, restaria espaço para o mistério? Eu perguntaria antes, haveria espaço para a ciência? Mistério é uma “realidade escondida”, o horizonte sem limite do ser, logo, mesmo resolvidos todos os enigmas, a própria possibilidade de inteligivelmente os ter resolvido permanece um Mistério. Por outro lado, a ciência reporta sempre ao passado e mesmo quando procura prever o futuro, fá-lo com base no conhecimento passado. Ora, sem uma noção de Mistério para além de enigma, a ciência corre o risco de se fechar à possibilidade da novidade. É por esse motivo que sem uma autêntica noção de Mistério, a ciência morre. É também neste sentido que Deus, para os crentes, é a garantia de haver sempre espaço para novas descobertas científicas porque ao criar o mundo, por amor, nunca deixa de nos surpreender …
[1] João Paulo II, Fides et Ratio, n. 34.