Diz o teólogo que um mundo que procede de um acto criador de Deus implica que a sua existência como um todo, e de todas as suas partes, é contigente, no sentido de que não era necessário que existisse. Deve a sua existência a um acto de criação divina. Por outro lado, o universo desenrola-se numa sequência de acontecimentos, de tal modo que se constituem de processos irreversíveis, uma vez que Deus constrói com o mundo uma história única e irrepetível.
De acordo com Wolfhart Pannenberg, “as leis da natureza parecem ao teólogo como produtos contingentes da liberdade criativa de Deus. A unidade de contingência e continuidade na atividade criativa de Deus, bem como os seus produtos, está enraizada, de acordo com a interpretação teológica do mundo, na fidelidade de Deus. (…) a forma futura da manifestação da fidelidade de Deus permanece imprevisível.
Um teólogo poderia, então, perguntar …
“Será que a realidade da natureza deve ser compreendida como contingente, e os processos naturais como irreversíveis?”
Sem dúvida! A aleatoriedade que alguns referem como acaso, indeterminação … ou contingência, faz parte da forma como o mundo evolui. Aliás, esse é um dos ingredientes da receita de Darwin em relação à evolução das espécies. Por outro lado, de acordo com a segunda lei da Termodinâmica, num sistema que compreenda o universo inteiro, um processo de transformação de energia leva sempre à formação de irreversibilidades, ou seja, há sempre uma parte da energia que não se recupera. Um exemplo. Se um copo se partir, mesmo que juntemos os cacos, fundirmos o vidro e voltarmos a fazer um novo corpo, com os meus processos e igual forma, nunca será o mesmo copo. Será sempre outro copo porque em todo esse processo geraram-se irreversibilidades. Isso quer dizer também que cada momento é único. Não volta atrás. O tempo tem uma seta.
De alguma forma, contingência e irreversibilidade são um contraponto da uniformidade procurada em ciência quando desenvolvemos equações. As equações são a forma matemática de expressar relacionamentos reprodutíveis na sua essência, embora único na sua ocorrência. Pensemos num balanço de energia que por transmitir uma igualdade é um tipo de relacionamento que exprime reciprocidade.
De um dos lados da equação está aquilo que se passa no interior do sistema. Do outro lado da equação está o que acontece na fronteira do sistema e influencia o interior. Connosco não é diferente. Numa pessoa equilibrada o seu interior é coerente com o exterior que, por sua vez, se manifesta nas fronteiras do olhar, sorriso, gesto, falar, etc. Porém este equilíbrio pode ser perturbado por eventos contingente, que não se estava à espera. Quer isso dizer que até o próprio Deus não sabia desses momentos?
Como o acto criador de Deus é um só, e manifesta-se de muitas formas, em diversos níveis de compreensão da realidade, Deus conhece todos os caminhos excepto aquele que escolhemos, ou que o mundo aceita por si mesmo. O “não saber” em Deus é uma escolha d’Ele, por amor, de modo a que o mundo seja plenamente livre, embora sujeito às condições de possibilidade.
E em relação à irreversibilidade? Não há possibilidade de corrigir opções menos felizes na nossa vida porque o mundo está permeado de irreversibilidades? Há. Tal como acontece com o copo … podemos sempre recomeçar. Recomeçar é ver tudo com olhos novos, não esquecendo o que houve antes, mas acreditar na oportunidade que se apresenta à nossa frente.