Tudo o que está fora da realidade material está fora do alcance do método científico. Dito de outra forma, o método científico só se pode aplicar ao que é material. Mesmo no caso de abstracções matemáticas, ou teoria de probabilidades, entre outros casos onde o desenvolvimento científico “aparentemente” não depende da materialidade, efectivamente ocorre perante um dado ou algo pré-existente e é nesse sentido que entende aqui a materialidade. Logo, se assumir que apenas o método científico me permite conhecer seja o que for acerca do mundo, estarei a reduzir tudo o que posso saber ao que posso materializar, pelo que, qualquer dimensão que esteja para além da materialidade e, por isso, inacessível ao método científico nada me diz que seja verdade e, consequentemente, real.
Tal visão do mundo assenta na “crença” que apenas o método científico permite o acesso ao que é Real, mas como aplicar o método científico a esta “crença”? Esta, por exemplo, é uma questão científica ou filosófica? Quer-se com isto clarificar que a visão daquilo que é Real na sua totalidade não está à margem dos pressupostos filosóficos assumidos por cada pessoa.
Por exemplo: Qual o sentido último da ordem que vemos presente no universo?
Esta é uma questão que indicia a percepção de uma realidade mais profunda que a da materialidade do próprio universo e, neste caso, o método científico não é aplicável porque a questão não é científica. Uma coisa é explicar algo, descrevendo-o (ciência), outra é compreender o que se explica (filosofia, teologia). O desafio é realizar esta síntese sem reducionismos.
excelente post
Miguel,
O que é “sentido último”? O que quer dizer esse termo? Como se distingue dos outros (assumindo que há outros)? Como se sabe que é o último?
E, sendo que perguntas pelo sentido último do universo, e o universo é claramente composto por aquilo que tu classificas de “matéria”, essa pergunta não calha, pela tua definição, no âmbito da ciência?
Ou, por outra, em que é que conhecer o sentido último do universo é menos científico que saber se o número de estrelas do universo é par? Tanto o universo como as estrelas são compostas de matéria, e nem o conceito de “sentido” ou de “par” se referem necessariamente à matéria…
Caro Ludwig,
usualmente o “sentido último” refere-se ao “porquê” de algo. Não à forma como o descrevo, mas porque descrevo assim e não de outra forma, e, sobretudo, quais as implicações que isso tem para a visão do mundo (weltanschauung).
O universo é composto de matéria, mas a pergunta pelo “sentido último” não se refere à matéria em si mesma, mas ao porquê de existir sequer matéria: porque existe alguma coisa em vez de nada? (Leibniz); se o mundo evolui, porque evolui sequer? (Lonergan).
Nota que as questões que acima referi não perguntam “como” surgiu a matéria, ou “como” evolui o mundo, mas dirigem-se sim ao porquê. É por esse motivo que na Tradição Cristã, ao ser confrontado com uma Teologia da Criação, é-me apresentada uma resposta a esse porquê (não ao “como”), porém, não é a única resposta teológico-filosóficas porque – a Cristã – não é a única visão do mundo (ou a que partilho, a única dentro do Cristianismo). Devido a esta diversidade riquíssima de resposta ao “porquê” devido às diferentes visões do mundo possível, penso que o diálogo entre a teologia/filosofia que as sustenta e o discurso científico é fundamental.
Por fim, se o número de estrelas no universo é par ou ímpar não creio que isso seja relevante para o sentido do mundo ou que afecte a visão que temos dele.
Abraço
Talvez a questão se possa colocar nestes termos:
O conceito de “sentido” (da existência humana ou do Universo) é uma “ilusão de óptica” provocada por “um defeito evolutivo”, ou é o “defeito evolutivo” que permite ao Homem vislumbrar uma formulação do sentido da sua existência (quando se confronta, por exemplo, com o problema do sentido último da ordem presente no Universo?)
Caro Sofrologista Católico,
não percebo bem a metáfora do “sentido” seja uma ilusão óptica causada por um “defeito evolutivo”. “Sentido último” – que é o caso – é a profundidade máxima sobre o porquê da Realidade como tal.
Não é tanto uma direcção, mas um significado no sentido de: “faz sentido o universo, mas porquê?”. A resposta é o “sentido último”.
Abraço
Caro Miguel
Segundo os ateus (e o Ludwig poderá eventualmente confirmar), o conceito de sentido (ou “propósito”, ou “intencionalidade” – neste contexto trato-os como sinónimos) é um erro de percepção. Segundo eles, a natureza não tem qualquer propósito ou intencionalidade ou sentido pois tal suporia uma inteligência transcendente que quereria algo do Homem ou que teria criado o Universo com um determinado fim.
Segundo os ateus, esta percepção de intencionalidade ou propósito ou sentido é um “defeito evolutivo” porque é um erro de percepção causado pela evolução.
O Homem foi-se adaptando, ao longo da sua história, ao meio ambiente (como todos os outros seres vivos). Essa adaptação deu origem a um certo tipo de consciência (esse tipo de consciência revelou-se um meio particularmente eficaz de responder aos desafios do meio ambiente que ameaçavam a sobrevivência do Homem). Ora, um dos subprodutos da consciência é a possibilidade de ver mecanismos de causalidade e intencionalidade (esta percepção dos mecanismos de causalidade e intencionalidade é importantíssima quando se trata de compreender o meio ambiente com as suas ameaças e as suas janelas de oportunidade para a sobrevivência).
Neste ponto, estou, em grande parte, de acordo com os ateus (tenho reservas quanto à definição, genealogia e teleologia da evolução que os ateus fornecem – segundo eles “a evolução é assim porque é assim”…e não há mais nada a dizer sobre as causas ou o propósito de um tal mecanismo).
Voltando, contudo, ao tema principal. Para os ateus, esta percepção de causalidade e intencionalidade (que é, como se viu, um dos elementos mais importantes da existência humana) provocou-nos uma “ilusão de óptica” fazendo-nos ver relações de causalidade e, sobretudo, de intencionalidade onde tal não existe (segundo os ateus, o Universo e a existência humana não têm nenhum propósito ou sentido) (alguns ateus, e estou a pensar no Ludwig, caem mesmo no idealismo existencialista de considerar que o sentido da existência humana é aquele que cada um lhe dá, uma interessante metáfora solipsista pois equivale a dizer que a única realidade é a do eu).
E é aqui que estou em desacordo. Penso que o Homem, tal como o Universo, foi criado por Deus. Com um propósito. Com um sentido.
Penso que a evolução foi um mecanismo criado por Deus (quando criou o Mundo – e por isso a evolução, tal como o Mundo, comporta o Bem e o Mal) com o objectivo de permitir ao Homem vislumbrar uma formulação do sentido da sua existência (quando se confronta, por exemplo, com o problema do sentido último da ordem presente no Universo).
Este comentário já vai longo, foi escrito à pressa e penso que, pelo menos em certos momentos, se encontra um pouco confuso. Peço desculpa por tal e, portanto, obviamente, estou disponível para esclarecer qualquer trecho mais incompreensível.
Abraço
Caro Sofrologista Católico,
obrigado pelo teu esclarecimento 🙂
Há apenas um ponto sobre o qual tenho desenvolvido um pensamento numa linha diferente.
«Penso que a evolução foi um mecanismo criado por Deus (quando criou o Mundo – e por isso a evolução, tal como o Mundo, comporta o Bem e o Mal) com o objectivo de permitir ao Homem vislumbrar uma formulação do sentido da sua existência (quando se confronta, por exemplo, com o problema do sentido último da ordem presente no Universo).»
Eis porque me parece problemática a primeira parte. Se Deus criou um mecanismo, como a evolução, que comporta o Mal, além de o Bem, não será isso contraditório? Nesse sentido, eu penso antes que Deus criou o mundo livremente e por amor. Deus amou e, por isso, criou. Contudo, ao criar o mundo, como qualquer artista, imprimiu nele a sua marca: a relacionalidade. Ora, porque marcados pela relacionalidade, somos estruturados no amor e criados para a reciprocidade. Assim, se Deus amou e, por isso criou, não poderemos pensar que o mundo quis responder a esse amor e, por isso evoluiu? Ou seja, a evolução – deste ponto de vista – não é tanto um mecanismo criado por Deus, mas a resposta de amor do mundo ao Amor de Deus. Se o mundo é finito, limitado, será de esperar um resposta perfeita? Eu penso que não e isso abre espaço a fazer uma leitura da dor, sofrimento, morte e mal no mundo como parte da imperfeição da resposta de amor ao Amor. Na mesma linha se refere John Haught no seu “Cristianismo e Evolucionismo em 101 perguntas e respostas” quando aborda o que teologicamente está realmente a acontecer na evolução, afirma ele que «aquilo que está a acontecer na evolução é a a história do dom que Deus faz de Si mesmo ao mundo, e da resposta do mundo ao infinito amor que o deixa ser ele próprio» (p. 109-110).
Qual então o papel do Homem? Em certo sentido, concordo contigo que a evolução permite vislumbrar o sentido da sua existência e neste caso sigo o pensamento de John Zizioulas ao desenvolver a vocação do Homem como sacerdote da Criação. Mais sobre isso podes encontrar em “A Criação como Eucaristia”, uma edição brasileira, ou – espero – num artigo que submeti recentemente à Didaskalia, mas que não sei se passa …
Abraço
Sim, penso que tens razão. Faz muito mais sentido.
Abraço
muito bem pensado…..
Caro Miguel,
Pode explicar porque a teoria das probabilidades está fora da realidade material?
Cumprimentos,
Caro Anónimo,
não creio que a teoria das probabilidade esteja fora da realidade material.
Cordiais saudações
Caro Miguel,
Concordamos sobre a realidade da teoria das probabilidades.
Mas…
Se assumir que apenas o método científico lhe permite conhecer seja o que for acerca do mundo…
Realmente fica muito limitado.
Conhecer.
Talvez se trocar “conhecer” por “verificar” a reprodutibilidade e a repetibilidade de uma determinada realidade… a limitação desapareça.
Conhecer. Tacitamente ou explicitamente?
O método científico tem os seus limites e reconhece os seus limites. Mas as aproximações verificadas da complexidade infinita inesgotável da realidade permitem avançar com o conhecimento e tecnologia… como bem sabe.
Conhece energia? Talvez tanto como o Pai Natal… mas pode medir os seus efeitos, a capacidade de produzir trabalho… bem como a publicidade, a felicidade das crianças, olhar admirado quando o gordo aparece cheio de presentes…
Cumpriementos,
Caro Anónimo,
penso que estamos de acordo relativamente à questão de fundo, isto é, absolutizar o método científico como forma de conhecer a realidade na sua totalidade corresponde a uma visão muito limitada do mundo. Podemos tê-la? Claro que sim, mas que o reconheçamos e saibamos lidar com as limitações que daí advêm, como por exemplo, a incapacidade de nos pronunciarmos sobre a existência ou não de Deus.
Ou seja, quem limita o conhecimento da realidade ao método científico apenas pode limitar a sua visão do mundo ao que está acessível a esse método devendo responder, muito simples e honestamente, “não sei” relativamente a questões que não são científicas.
A falta deste reconhecimento é recorrente em alguns ateus com quem procuro dialogar, na medida do possível.
Cordiais saudações
Caro Miguel,
Mas o método científico pode ser usado para verificar afirmações de pessoas que se dizem representantes de Deus? Ou será não?
Cumprimentos,
Caro Miguel,
É uma questão interessante…
Existem questões que não são científicas?
Sim…
Mas existem problemas que não têm uma abordagem científica? Depende como é formulada a questão…
Diria que o que não tem prova científica, nem tem prova repetível e reprodutivel… e que poderá ser real ou não… pode ser imaginação… ou ilusão (erro dos nossos sentidos)…
Cumprimentos,
Caro Miguel
Tomei a liberdade de adaptar o comentário que fiz e transformá-lo num post no meu blogue que tem em devida (espero) conta as tuas observações.
Abraço
Caro anónimo,
Mas o método científico pode ser usado para verificar afirmações de pessoas que se dizem representantes de Deus? Ou será não?
Essa tendência vai na linha do Criacionismo, ou teologia natural e sou da opinião que não se deve deduzir teologia a partir de ciência, ou ciência a partir de teologia. Ambas possuem implicações quando interagem, mas são distintas e respondem a questões diferentes. O facto de serem distintas não implica não-interacção, porque isso seria o sofismo filosófico entre distinção e separação.
Diria que o que não tem prova científica, nem tem prova repetível e reprodutivel… e que poderá ser real ou não… pode ser imaginação… ou ilusão (erro dos nossos sentidos)…
… incluindo esta afirmação 😉
Abraço
Caro sofrologista católico,
já tinha notado porque sigo o teu blog em RSS com interesse. É sempre bom saber que juntos vamos mais longe 🙂
Abraço
Caro Miguel,
Muito obrigado pela sua resposta.
A sua definição de Teologia (Conhecimento de Deus)
é interessante.
Posso perguntar como interpreta os milagres de Cristo à luz da sua definição de Teologia?
Cumprimentos,
Caro Anónimo,
permite-me sugerir que faças uma pesquisa por “milagres” neste blog (no campo apropriado no final da barra lateral direita), de modo a tomar contacto com algum do meu pensamento sobre o assunto.
Abraço
Caro Miguel,
Muito obrigado pela dica.
Basicamente è a defesa da ideia de Deus e suas possibiliades com mente aberta a novidades. Nada é dito sobre a possibilidade de representação da ideia e das formas que ela tomou ao longo dos séculos, assumindo uma evolução linear da humanidade…
o que não é científico, é real?
Pode ser ou não…
Cumprimentos,
Caro Anónimo,
é um prazer poder dialogar 🙂
Sobre a ideia de Deus posso recomendar-te um obra que gostei muito “Metaphysics and the Idea of God” de Wolfhart Pannenberg. Podes consultar na Biblioteca João Paulo II da Universidade Católica Portuguesa.
o que não é científico, é real?
Pode ser ou não…
É isso mesmo! Mantemo-nos na dúvida enquanto a visão do mundo e respectiva experiência nos vai confirmando ou corrigindo o que pensamos sobre Deus. Contudo, a forma mais segura de conhecer alguém é relacionarmo-nos com ela …
Abraço
Caro Miguel,
Muito obrigado pela resposta e pela referência.
Cordiais saudações,