Recentemente li um artigo que faz uma síntese da importância que ler representa para a nossa evolução como espécie. Se ninguém precisa de ser ensinado a andar (mais cedo ou mais tarde acontece), com a leitura não é assim. Ler é complexo e difícil. Não é natural ao nosso cérebro ler. Mas o que este artigo aponta – e me despertou a atenção – é o facto do nosso cérebro alterar-se fisicamente quando aprendemos a ler.

Ler não é natural

Experiência espiritual é também cognitiva

A plasticidade cerebral é uma característica humana. Os nossos hábitos (bons ou maus) levam a um religar das sinapses cerebrais que nos permitem ir mais além na compreensão do mundo. Isso significa, para mim, que a história da espécie humana tem ainda muitas páginas de criatividade evolutiva por escrever. A nossa história está longe do fim.

Foi neste momento que pensei no relacionamento com Deus. Eu sei que algumas pessoas questionam o papel da dimensão espiritual da vida, mas ao contrário da leitura, essa está presente na espécie humana desde que começou a andar pelos seus pés. Advém de uma impressão interior de haver algo para além de nós mesmos. Depois, essa impressão evolui em cada um de nós numa manifestação de carácter religioso, ou seja, que nos “re-liga” a esse algo, e para a maior parte, Alguém.

Se pensares bem, a experiência cognitiva que fazes ao ler possui muitos dos traços da experiência cognitiva que fazes ao rezar. Uma tensão na cabeça. Uma exigência de concentração. A necessidade de um silêncio. Um impulso a partilhar com os outros a experiência. Por isso, não me admira que muitos rezam, lendo.

Rezar lendo

Plasticidade cerebral da oração

Nesse sentido, a oração pode despertar um momento de plasticidade cerebral que nos abre cada vez mais e melhor ao que está para além de nós mesmos. Uma abertura que não nos fecha sobre nós mesmos, mas impulsiona a estar mais atentos ao contexto que nos rodeia. Aquela pessoa que precisa da nossa atenção. Aquele a quem podemos dar uma mão.

Se o nosso cérebro não foi feito para a leitura e com esse esforço entramos num passo evolutivo em frente, talvez também não tenha sido feito para a oração (como o demonstra o número de pessoas a-religiosas), mas com esforço, qual o passo evolutivo que a dimensão espiritual da vida nos conduz?

Pela fraternidade universal que essa dimensão tem gerado nos últimos séculos, eu diria que nos conduz a uma espécie mais humana.