Este excerto escrito pelo conhecido teólogo Karl Rahner tem mais de 30 anos, porém, exprime com uma actualidade impressionante aquilo que assistimos hoje pela blogosfera. Diz ele :

«Com todo o respeito pela ciência moderna: a teologia bimilenar do Cristianismo também não esteve a dormir. O intelectual de hoje não deve imaginar que, em geral, esteja a levantar problemas e sentir dificuldades em relação às proposições de fé, que antes dele nenhum teólogo tivesse conhecido. E naturalmente deve saber que, mesmo quando obteve um esclarecimento de boa fonte, o mistério de Deus permanece. Isso faz parte da essência da teologia. Ela não é a explicação de um mistério pelo acesso à evidência, mas um olhar no claro-escuro dos mistérios divinos. Uma clareza absoluta não seria senão o sinal de que se passou ao largo da verdade divina e que se preferiu o erro facilmente compreensível de um racionalismo humano»
(Rahner, Teologia e Ciência, Edições Paulinas, 1971, p. 28).

Com todo o respeito que tenho pelo blogateísmo, penso que a falta de comunicação, de diálogo, de comunhão de ideias advém da superficialidade com que se lê posts e comentários. Deus continua a ser uma causa entre outras causas no pensamento blogateísta e este ainda julga que essa questão panteísta, ou demiurga, é nova. É verdade que não se espera encontrar reflexões demasiado profundas na blogosfera, mas reconheço o seu valor para partilhar pensamentos e trocar comentários que permitam conhecer melhor aquele que pensa de maneira diferente de mim, e com o seu pensamento, pensar melhor o que penso.

Num comentário procurei argumentar como o blogateísmo, ramo do “novo ateísmo”, apesar da superficialidade dos argumentos que desenvolve, pode constituir uma evidência da sua possibilidade num mundo com Deus, do que num mundo sem Ele. Perante o que Rahner diz acima, o ateísmo não deveria ser considerado evidência, mas como parte do “claro-escuro dos mistérios divinos”. No mundo com Deus, Deus não é o mundo, ou faz parte do mundo, mas é sim distinto do mundo. Num mundo onde a evolução ocorre num espaço de possibilidades, implica necessariamente pensar no conceito de Liberdade. Assim, quem crê que Deus criou o mundo por amor, vê nessa liberdade aquilo que esperaria experimentar se, de facto, Deus tivesse criado um mundo por amor. Logo, se o mundo é livre, não faz sentido não haver a possibilidade de – na liberdade – rejeitar o próprio Deus. Daí que – para mim – o ateísmo seja este “claro-escuro” concreto daquilo que se esperaria ocorrer num mundo que tivesse sido criado por Deus, por amor. Diz Rahner que

«A metafísica Cristã sempre teve consciência [da] transcendência de Deus e a formulou explicitamente. Sempre afirmou que Deus não é um elemento do mundo experimentável, calculável e não constitui sequer a sua suprema chave de cúpula. Sempre soube que Deus não entra numa concepção do mundo a título de última hipótese de uma solução. Deus é, pelo contrário, a priori, a condição prévia do mundo e do seu conhecimento, condição que não cai sob a lei do mundo, mas antes, este último supõe-na. Por causa da natureza da sua inteligência, o homem não pode lançar directamente o olhar sobre esta condição prévia, nem dela fazer o seu objecto imediato. Só a conhece de maneira indirecta, como o ser infinito, postulado pelo finito, como o ser incondicionado, postulado pela experiência da multiplicidade e seu carácter relativo, sem que por isso esteja ao alcance do homem»
(p. 16).

Qual, então, a atitude que espero de um ateu que leve a questão de Deus a sério?

Inquietude.

Rahner neste texto com 30 anos ajudou-me a perceber questões levantadas por um ateísmo inquieto, que raramente vi expressas no pensamento blogateísta. Diz ele que

«O espanto diante da ausência de Deus no mundo, o sentimento de não poder mais perceber o divino, a estupefacção diante do silêncio de Deus, diante da atitude de Deus que se fecha sobre a própria inacessibilidade, diante da rigidez sem olhos e sem fisionomia das leis do mundo, não só no terreno da natureza, mas também naquilo que diz respeito aos homens … esta experiência que pensa dever dar teoricamente de si mesma uma interpretação ateísta, é na verdade uma experiência autêntica do que há de mais profundo na existência»
(p. 18).

Por mais que se compare Deus a sereias, unicórnios, duendes, pai natal, etc., qualquer comparação só diminui a credibilidade de quem a faz porque fica sempre aquém da verdade. Sendo Deus, Deus, “o mistério permanece” (Rahner) e isso implica que Ele está para além da nossa imaginação e, nesse sentido, não se compara a ela. Mas será que colocar Deus no mesmo saco que produtos da nossa imaginação é sequer um argumento importante? Qual o contributo que esse tipo de comparações dá para o “que há de mais profundo na existência”?

Será que o blogateísmo possui, de facto, uma função de “sobressaltar” os crentes, ou poderia ser mais do isso e “inquietar” os crentes? Inquietar significa aqui que tanto obriga os crentes a aprofundar a sua fé, como os não-crentes a aprofundar a ausência de fé. Enfim, fica lançado um desafio que espero que seja inquietante …