Há algum tempo cruzei-me com um artigo do qual cito algumas passagens. O artigo é da teóloga americana Elizabeth Johnson, C.S.J. (na foto), intitulado “Será que Deus joga aos dados? Divina providência e acaso”, publicado na Theological Studies 57 (1996) 3-18.
«Sendo intrinsecamente imprevisíveis num sentido epistemológico, os sistemas dinâmicos representam, por isso, uma forma de “aleatoriedade estruturada” no mundo»
«O mundo desenvolve-se (…), não de acordo com a anarquia, nem de acordo com a teleologia, mas propositadamente se imprevisível. Os fenómenos físicos são condicionados de um modo ordenado, mas eles mesmos dão origem à novidade devido ao indeterminismo intrínseco e à abertura dos processos físicos.»
«As leis da natureza aproximam os relacionamentos na natureza, mas não os compreendem na sua profundidade, que permanece velada para sempre. A própria Natureza é um mistério.
(…) as leis da natureza requerem as obras do acaso, se se pretende que a matéria explore toda a sua gama de possibilidades e leve à emergência de riqueza e complexidade. Sem o acaso, as potencialidades deste universo não seriam actualizadas.»
«(…) a abertura da matéria (…) é uma parte intrínseca do trabalho da natureza e necessária ao seu desenvolvimento criativo»
«Deus faz o mundo (…) no processo das coisas agindo tal como são.»
«Karl Rahner argumenta que até na criação da alma humana, a causalidade divina não se insere a si mesma nas séries causais finitas, mas, através do poder que é dado à matéria de se desenvolver em direcção ao espírito, permitindo aos pais humanos transcenderem-se a si mesmos na criação de uma outra pessoa genuína.»
«Discussão de Tomás de Aquino sobre a divina governância do mundo (…)
Parece (…) que o universo não precisa de ser governado por Deus, pois os processos do mundo parecem cumprir o seu propósito, por si mesmos, e sem qualquer interferência. Contudo, diz ele, em dar às criaturas o seu ser, Deus dá-lhes uma inclinação natural, através da qual as suas acções naturais tendem em direcção ao bem.»
«… o universo como um todo tende em direcção ao bem último que é Deus.»
«… se Deus fez tudo directamente, para que as causas criadas não afectassem realmente o que quer que seja, seria um Deus menos poderoso. Pois mostra-se maior poder ao dar a outros a capacidade causal, do que fazer tudo por eles.» (ver também Summa Theologica d S. Tomás de Aquino, 1, q. 105, a. 5)
«… para Aquino, a compreensão que a actividade providencial de Deus é exercitada nas, e através das causas secundárias, inclui, em vez de excluir, o acaso, a contingência, e a liberdade de escolha: “Não é a função da divina providência impôr a necessidade nas coisas por ela governadas.” Antes, as próprias ocorrências aleatórias são causas secundárias com a sua própria integridade. (…) causas secundárias (…) como os meios pelos quais Deus cumpre o propósito divino.»
[De William Stoeger:] «Deus age sempre através de inter-relacionamentos determinísticos e indeterminísticos, e
regularidades da realidade física que os nossos modelos e leis descrevem imperfeitamente.»
regularidades da realidade física que os nossos modelos e leis descrevem imperfeitamente.»
«… o acaso não é uma alternativa à lei, mas o próprio meio pelo qual a lei é criativa. Os dois estão fortemente inter-relacionados e o universo evolui através da sua interacção.»
«Deus trabalha, não apenas através da profundidade das regularidades das leis da natureza, mas também através de ocorrências aleatórias que possuem a sua própria, genuína integridade aleatória. Deus usa o acaso, por assim dizer, para assegurar a variedade, resiliência, novidade, e liberdade no universo, até chegar à própria humanidade.»
«Se Deus trabalha através do acaso, então, a criatividade natural do próprio acaso pode ser pensada como um modo de criatividade divina no qual esse participa.»
«A aleatoriedade é real, pois Deus respeita a estrutura da criação, enquanto que ao mesmo tempo tece eventos com padrões providenciais em direcção à realização do todo.»
«…a perfeição divina é, em última análise, uma perfeição da relacionalidade e amor, em vez de auto-suficiência e controlo.»
[Quando falamos que o Deus dos Cristãos é Amor, poderíamos dizer com E. Johnson que] «”o Amor que move o sol e as outras estrelas” (Dante) é um Amor soberano que se esvazia a si mesmo, oferece-se, encanta, explora, sofre, é fonte transcendente de todas as possibilidades, agindo, imanentemente, através da matriz de um universo que evolui livremente.»
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Reflectindo sobre estas passagens do artigo de Elizabeth Johnson ocorreu-me questionar como pode a evolução, como resposta do mundo ao amor de Deus, se relacionar com a creatio continua?
Pela reciprocidade.
Se o mundo responde, Deus escuta, ama e age de acordo.
Boas,
É uma referência o seu blog. É pena o pouco diálogo que se possa estabelecer.
Cumprimentos,
Manuel Rodrigues
Caro Manuel,
obrigado pelo seu comentário. Em breve procurarei responder-lhe à questão de Adão e Eva. Como me encontro fora do país tenho mais dificuldade em encontrar o tempo adequado para lhe responder o melhor que posso.
Cordiais saudações,
Miguel