Estamos em pleno período da quaresma. Aliás, este ano, a quarta-feira de cinzas coincidiu com o dia dos namorados. Escrevendo para a Ecclesia tive oportunidade de partilhar um pensamento sobre uma relação entre estas data [1]. Porém, fiquei a pensar se o jejum, a oração e a esmola teriam alguma relação com o diálogo entre ciência e fé.

quaresma alternativa

Usualmente a quaresma está associada a um período de conversão na vida de um cristão. A conversão implica uma experiência transformativa, ou seja, que muda para sempre o modo de vermos as coisas e viver no mundo. Nesse sentido, o diálogo entre ciência e fé é um contínuo caminho quaresmal.

Na quaresma reflectimos sobre a nossa vida e tentamos perceber o que podemos mudar para melhorar a nossa união com Deus.

Este ano estou a fazer a experiência de procurar viver no essencial, no diálogo e no dom-de-mim-mesmo. O que significa isso?

Qualquer caminho espiritual deve estar ciente da realidade à sua volta. A ciência tem sido o instrumento preferencial que nos ajuda a perceber essa realidade e com isso a aprofundar a nossa vida espiritual. Partilho como estou a procurar actualizar a experiência quaresmal nos tempos actuais.

Jejuar vivendo no essencial

É mais fácil jejuar nos alimentos que no ruído digital que influi profundamente – e cada vez mais – o nosso modo de pensar. A vida cada vez mais artificializada que vivemos introduz uma quantidade excessiva de estímulos à nossa atenção, de tal modo que perdemos gradualmente a capacidade de nos concentrarmos no momento presente e vivê-lo bem.

O meu jejum esta quaresma será criar o mais possível um ambiente simples e com o essencial. Comecei por limpar a mesa de cabeceira, ou a mesa do escritório para que estivessem o mais vazias possível. Assim, o vazio significa criar espaços em que a criatividade pode manifestar-se.

Orar vivendo o diálogo

Orar é entrar em diálogo com Deus. Mas com a quantidade de coisas que temos para fazer – nem todas essenciais – corremos o risco de viver cada vez mais para os afazeres e pergunto-me se isso é, sequer, viver… Se o tempo que dedicamos ao diálogo com os outros é cada vez mais curto, como posso admirar-me de não ter tempo sequer para dialogar com Deus?

Dialogar implica um interesse genuíno pelo outro e isso leva-me a sair fora de mim mesmo para repousar no diálogo com o outro. Se, cada vez mais, no outro for capaz de ver Deus, então, entrar num diálogo mais profundo com cada pessoa que se cruza no meu caminho exige um amor maior de mim por ela. Só por mim não sou capaz, mas só Deus em mim o pode fazer. E só pela outra pessoa nem sempre sou capaz, mas se conseguir ver Deus nela tudo fica diferente. Tudo fica numa dinâmica de Deus para Deus. Por isso, posso orar se investir em dialogar.

Esmola no dom-de-mim-mesmo

O dinheiro é escasso para alguns e não para outros, mas o tempo parece escassear em todos. Ninguém diz “ter esmola”, mas antes “dar esmola”. É verdade que o mais simples é dar o que tenho a mais materialmente, mas será isso que me transforma e converte?

Esta quaresma estou a experimentar dar um pouco mais de mim, do meu tempo para melhorar o relacionamento com cada pessoa. Ser dom-de-mim-mesmo implica não prescindir o outro de um sorriso meu, ou um tom de voz afável, um gesto que o eleve, uma palavra que o conforte.

 

… e quanto à ciência e a fé…

O que tem tudo isto a ver com o diálogo entre ciência e fé?

Só percebemos o que é essencial quando eliminarmos as certezas e nos abrirmos ao pouco que sabemos para desenvolver uma mente curiosa.

Só vivemos um diálogo autêntico quando soubermos calar as certezas e escutarmos a verdade escondida na opinião diferente e mantivermos a mente aberta.

Só seremos realmente dom quando nos esvaziarmos das certezas e criarmos espaço para que a inesperada luz possa entrar na inteligência e iluminar uma mente humilde.

 


Questão: como estás tu a viver a quaresma?


 

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