Reflectindo sobre a pergunta lembrei-me do episódio da tempestade acalmada em Mt 8, 23-27, ou Lc 8, 22-25, onde Jesus pergunta “Porque temeis, homens de pouca fé?”, ou “Onde está a vossa fé?”, respectivamente. Ao reler estas perguntas era como se Jesus perguntasse: “ignorais a realidade?”. Para Jesus a falta de fé era ignorar a realidade, pelo que fé não poderia ser qualquer forma de ignorar a realidade. Aliás, a fé radica-se na realidade, logo é impossível que se torne uma forma de “ignorância”. A questão colocada – penso – provém sobretudo do que se possa entender por realidade. Penso que aquilo que é real é o que experimentamos. Essa experiência existe enquanto houver materialidade “e” imaterialidade, polarizar num ou no outro aspecto é enviezar o que é real. Exemplo simples sem ter a ver com a fé: o nosso corpo é feito de matéria (materialidade) e constituído a partir da informação (imaterialidade) contida no nosso DNA. Logo, o que tem a fé de especial? Penso que pela fé se acolhe um dom de abertura ao Mistério. Por isso, ou se acolhe, ou não se acolhe. Aqui, acolher significa um gesto interior de abrir-se ao Mistério.
No período do Iluminismo, “mistério” passou a ser um “enigma”, ou um “problema a resolver”, o que desvirtuou – penso – o que hoje se entende por “mistério”. Diria mesmo que é necessário recuperar o sentido de “mistério”, como Mistério, nos dias de hoje. Sobre “mistério”, li recentemente num livro do Pde. Denis Edwards, “Human experience of God”, que o “«mistério»… aponta para aquela dimensão da experiência humana que escapa à compreensão, e transcende-nos totalmente” (p. 17). Mas li ainda que este “…horizonte do ser sem limite é aquilo que chamo de «mistério»” (p.20). Parece-me ser este sentido de abertura ao “mistério” que cria o espaço para discernir o que é verdadeiro e o que “distorce” a verdade que nos permite acolher a fé.