Como é Deus? (espírito / misto de espírito e matéria, etc.)

É uma pergunta muito boa e intelectualmente honesta. “Como” é Deus? Há quem fale no Deus dos filósofos, ou no Deus único que os Muçulmanos chamam por Allah, ou num Deus-à-minha-medida na sociedade secular, mas o Deus da minha experiência de vida, sobre o qual posso falar para tentar responder à questão, é o Deus dos Cristãos. Algum comentário como resposta do ponto de vista de outra tradição religiosa seria muito interessante. Porém, referindo-me ao Deus dos Cristãos, qualquer resposta ao “como é Deus” será sempre, necessariamente incompleta, porque a “Deus nunca ninguém o viu” (1 Jo 4, 12). Apenas em Jesus encontramos uma imagem visível de Deus invisível (Col 1, 15). Podemos, no entanto, vislumbrar alguns aspectos de Deus através da reflexão teológica e da sua maior fonte, Jesus.

A pergunta, pelos parêntesis, vai no sentido de querer saber “como” é Deus na substância da Sua pessoa, e não tanto no seu modo (ver a analogia para com o ser humano no post ser ou não ser pessoa). Esse “como” na sua substância é insondável. Sabemos apenas por intuição do evangelista João (certamente inspirado pelo Espírito Santo) que Deus é espírito (Jo 4, 24 – ver também Wolfhart Pannenberg, “God as Spirit – and natural science”, Zygon, vol. 36, pp. 783-794, 2001) e que Deus é amor (1 Jo 4, 8). Sabemos também que Deus é Criador de tudo o que existe (Gn 1, 1) e que é nosso Pai (Mt 5, 16). No entanto, a um dado momento Jesus revela-nos que “Eu e o Pai somos Um”, e noutro momento promete-nos o Paráclito, o Espírito Santo que nos ensinará todas as coisas (Jo 14, 15-26), colocando-o ao mesmo nível da unidade que mantém com o Pai. Logo, Deus é Pai, é Filho e Espírito Santo … Deus é Trindade. E isto é um Mistério. Mistério como algo que nos transcende, mas que faz sentido, não um enigma, ou problema a resolver. Há que redescobrir o valor que tem a realidade de Mistério (ver Questões de Fé – I).

Muitos se referem a Deus como “pessoal”? Mas o que significa “pessoal” quando nos referimos a Deus? Como é Deus como pessoa? Diz-nos Catherine LaCugna que «a mente religiosa não hesita de todo em dizer que Deus é “pessoal,” ou até que Deus é uma “pessoa”; pois a pessoalidade denota relacionamento, intersubjectividade, liberdade, identidade, consciência, e a capacidade de conhecer e amar, ser conhecido e amado.» (Theological Studies, vol. 46, p. 662, 1985), ou seja, a pessoa de Deus, ou Deus como pessoa, no Seu Ser, é visto mais no seu “modo” do que na sua “substância” (Espírito, Amor). LaCugna salienta ainda que «…por trás da linguagem de pessoa está a categoria da relação», por isso é necessária «…uma nova linguagem … para exprimir a visão trinitária da divina relacionalidade», pelo que «…é necessário recuperar a riqueza do termo “relação”». Por isso é que LaCugna exprime bem que «… estar-relacionado está no coração daquilo que significa para Deus ser Deus», concluindo que «o carácter “pessoal” de Deus pode ser, efectivamente realçado, se a natureza essencialmente relacional de Deus for enfatizada, [pois a] relacionalidade está no coração daquilo que significa para Deus ser Deus.» Ou seja, Deus é “como” Pessoas-em-Comunhão, e como tal, em Deus Trindade, Triuno, se encontra a base relacional de entender o ser humano. Nesse sentido, reforçando a intuição de S. João, Deus é Amor. Logo pode afirmar-se, com as devidas limitações, que Deus é Amor na relacionalidade. No que nos diz respeito, se somos imagem de Deus, então deveríamos ser imagem do Amor na relacionalidade que Deus é.
Como é, então, Deus? Ser espiritual puro? O universo material (panteísmo)? Misto entre espírito e matéria? … Será, procurando aquela nova linguagem (sempre limitada) que LaCugna nos apela a desenvolver, que Deus é relacional?