Por vezes falamos como se tivéssemos uma ideia clara sobre os assuntos, como se fossemos especialistas, mas somos? A este modo de ser ninguém está isento e chamamos de treinadores de bancada. Sabes que existem também desses quando se fala de ciência e fé?
Em 2003 cruzei-me com um artigo que falava dos “Modos de interacção entre o conhecimento científico e o saber teológico”. Foi um embate profundo na minha concepção do assunto e o conteúdo ressoou em mim como nunca antes tinha acontecido. Além dos nomes que eram dados a esta interacção, havia uma bibliografia diversificada que me fascinou. Lembro-me de ter pensado “tanta coisa escrita sobre este assunto?” Quero mais.
Há muitos treinadores de bancada em ciência e fé
Só depois de ler uma série de livros sem conta, e artigos em revistas especializadas em ciência e religião, é que me apercebi de como há tantos treinadores de bancada quando se referem a esse assunto. Inclusive, muito cientistas de renome acabaram por ceder a essa tentação, isto é, de falarem do assunto como se fossem especialistas, mas sem qualquer humildade e desprezando tanto trabalho e estudo que tem sido desenvolvido ao longo de décadas por filósofos e teólogos. O problema é que os seus livros são best-sellers, e há quem deixe de ter fé ao lê-los.
Independentemente de teres fé ou não, é possível deixares de ser um treinador de bancada em qualquer assunto, especialmente neste. Howard Gardner, professor em psicologia de Harvard, escreveu um livro sobre as 5 mentes do futuro. Isto é, quais as mentes de deveríamos desenvolver no futuro para o assegurar. Uma delas é a disciplinada. Em relação a essa, uma pessoa pode tornar-se um especialista em algo se estudar o mínimo de 2h por dia de matéria nova durante 10 anos. Pois… não há comprimidos milagrosos.
Nesse sentido, como encetar neste caminho sem perder o entusiasmo? Sugiro 4 passos.
Ler pouco, mais vezes
Há quem goste de ler e devore livros, mas a maior parte das pessoas que encontro não gosta. Ou há quem goste de ler, mas não sobre assuntos como ciência e religião. Sugiro que leiam pouco, mas mais vezes. Hoje, com o livro digital, é fácil ter livros connosco que podemos ler nas circunstâncias mais inesperadas. Uma fila de supermercado, numa sala de espera, uma paragem de transporte, até mesmo… no WC 🙂
Sublinhar e reescrever visualmente
Se o livro for digital existem apps que permitem sublinhar. Se o livro for em papel, basta que leves contigo um pequeno lápis. Depois, rescreve o que sublinhaste para um caderno. É um exercício que não só ajuda a consolidar o que leste e a interiorizar, mas ajuda também a interpretar melhor. Se puderes exprimir o que te interpelou particularmente em formato visual com esquemas, desenhos, aproveita.
Dialogar com ateus
Depois, uma das maiores descobertas sobre o aprofundamento da minha fé foi o diálogo com os ateus. Fi-lo, sobretudo, através de blogs e várias vezes me dei conta de estar a falar com treinadores de bancada. Mas com eles descobria também que eu era um treinador de bancada! Assim, as suas afirmações ou dúvidas levavam-me a ler mais ainda e a aprofundar.
Permanecer na dúvida
Por fim, permanecer na dúvida foi o passo mais importante para mim. Significou descobrir o valor de um “não sei” perante Deus e quem Deus é. Mas também perante o diálogo entre ciência e fé, de tal modo a manter uma mente aberta e a continuar a aprofundar ainda hoje apesar de ter escrito alguma coisa sobre a assunto em revistas nacionais e internacionais. A dúvida é o carvão que mantém a locomotiva do conhecimento e sabedoria a andar.
Questão: tens experiência com outros passos para fazer de um treinador de bancada um especialista?
Sem dúvida. Mas há nuances: na implicação pessoal que constitui a fé, não devemos deixar a orientação desta a um especialista, que pensou e leu muito sobre o assunto, etc. O Pascal diz mesmo que devemos ter cuidado com os especialistas; e o Jung, que é uma espécie de gnóstico da psicanálise, dizia que a teologia ia no contrário da fé por não trabalhar no corpo e no inconsciente. A fé não é bem algo que faça parte de competências académicas… claro que, como em tudo, armar ao pingarelho sem ter pensado nem vivido muito o assunto, pois então… mas não sei se é um problema de “especialização”. Afinal, a tensão saber/fé habita qualquer um de nós, como a tensão ética/fé, fé/ego, fé/estética, fé/liberdade, etc
Obrigado Alexandre pela tua lúcida impressão. Em última análise, todos podemos e devemos ser especialistas, e quando não o somos, podemos informar o nosso pensamento e vida com os que são, de modo a que seja a vida a dar testemunho de uma abordagem intelectualmente sã e esclarecida.