«Antes de mais, deve-se admitir inequivocamente que não se pode provar a necessidade de Deus da mesma maneira que se pode verificar experimentalmente a teoria quântica descoberta por Planck. Dito isto, embatemos na verdadeira raiz do movimento filosófico de toda a época moderna e no fundamento do seu dilema actual (…) o esforço de tornar a filosofia uma ciência exacta, de tratá-la more geometrico, segundo a expressão de Espinosa.
(…)
Com isto, uma conclusão de grande alcance é certa: no momento em que a filosofia se adequa definitivamente ao cânone das ciências exactas e se encerra com isso o sistema do pensamento moderno (…), torna-se claro que a conclusão do sistema conduz ao absurdo. (…) Onde se pensa apenas de forma exacta, sobra o homme adsurde, o qual só pode verificar (…) que “uma vida que não sabe que não tem nenhum sentido tem pouco sentido” (P.R. Simon). O homem que não consegue ultrapassar não só a sua consciência, mas também a sua linguagem, no fundo, não pode falar de mais nada».
Joseph Ratzinger, Fé e Futuro, Principia, 2008, pp. 74-75

O que Ratzinger acima descreve é o que tenho assistido na blogosfera quando tento perceber o pensamento ateu de alguns ateus. Desafiei Ludwig Krippahl, um ateu activo nos blogs a ensinar-me algo com o seu ateísmo e ele gentilmente correspondeu escrevendo o post: o elefante. Nesse diz que

«”Ateu” foi um termo pejorativo criado por crentes para designar quem não adorava os deuses certos (i.e. os desses crentes).»

Não estou certo da intenção com que deu esta definição, mas, deste ponto de vista, quem não adorava os deuses certos, adorava, certamente os deuses errados, pelo que na leitura de Ludwig todos somos crentes e aqueles que negam os deuses certos são “ateus”. Não nova esta afirmação. Justino na sua Primeira Apologia, no capítulo VI afirmava que «Por isso somos chamados ateus. E confessamos que somos ateus, na medida em que os deuses deste tipo estão em causa, mas não com respeito a Deus, mais verdadeiro, o Pai da justiça e da temperança e outras virtudes, que está livre de qualquer impureza». No entanto, o conteúdo da afirmação de Ludwig pareceu-me conter algo de novo e paradoxal, pois elimina a distinção que uso frequentemente entre crentes e não-crentes, afirmando que todos somos crentes, apenas diferimos no Absoluto – por assim dizer – que cremos. Nesse sentido tentarei perceber qual o deus certo que Ludwig adora. Afirma

«Ateu é quem não tem deuses, em contraste com o crente que adora uma ou mais divindades e o agnóstico que ou não sabe para onde pende ou n
ão diz para não ter chatices.»

Bom, afinal eu estava enganado, pois “ateu é quem não tem deuses”. Portanto, actualizando, o ateísmo de Ludwig além de não adorar os deuses certos, não adora qualquer deus. Mas, de onde vem esta antecipação espontânea de negar qualquer noção de Deus? Vem da natureza religiosa presente em cada ser humano, como uma realidade histórico-cultural que não nega Deus, propriamente dito, mas um ou vários conceitos de Deus. Alguns argumentam que a existência de múltiplos conceitos de Deus é, em si mesmo, um argumento contra a existência de um sequer, mas infelizmente esquece quão mal definidas estão as fronteiras do divino, caso contrário não seria divino. Qual então o conceito de Deus negado por Ludwig?

« a maioria dos deuses que se adora por aí são ficções incríveis. É um exagero. É tudo infinitamente omni isto e aquilo, super duper xpto (…)
Para deixar de ser ateu não me basta crer ou ter uma religião. Tenho de crer num deus em particular e ter uma religião específica.(…)

[Alguns dizem que] o deus certo é o que age sem intervir, está para além do tempo e não se pode detectar de forma alguma. O que na prática se resume assim: “não existe”. Não vejo evidências de deuses em lado nenhum. Não encontro qualquer utilidade para essas hipóteses.»


Um Deus infinito e omni…, um só Deus e não vários, alguém cuja existência deveria ser comprovada por evidência científica (certamente) e utilidade na sua existência. Em primeiro lugar destaca-se a dimensão histórica desta posição ateísta enquadrando o Deus que se nega num monoteísmo e não politeísmo, uma herança bíblica. Em segundo, a filosofia e teologia são reduzidas às ciências exactas implicando que, não havendo uma prova científica do que é divino, o divino e absoluto não existe, logo, é um absurdo acreditar em Deus. Ou seja, o ateu vai do absoluto ao absurdo pelo reducionismo metodológico. Contudo, existem duas expressões interessantes “não vejo” e “não encontro”. Mas, como “ver Deus” se há uma longa tradição Bíblica que afirma “a Deus nunca ninguém o viu” (1 Jo 4, 12)? Como encontrar Deus senão naquele mais pequeno (Mt 25, 40)? Quando não se vê, o problema pode estar
na forma como se olha, e quando não se encontra, na forma como se procura. Recentemente, um ateu de renome, Anthony Flew, converteu-se ao teísmo (não ao Cristianismo) e não foram provas científicas que o levaram ao teísmo, mas sim a influência filosófica. E aqui reside o “ponto de rebuçado” de uma nova abordagem: o ateísmo blogosférico.

Embora não saiba ainda como, ou se é verdade o que penso, ouso especular que este ateísmo, de tão superficial que é, torna-se absurdo. Se um ateu estudasse mais o pensamento ateísta, estou certo que perante o absurdo daquilo que nega se abriria uma porta para o Absoluto que tanto procura. Se não procurasse esse Absoluto, verdadeiramente, nem sequer pensaria nele.