Numa entrevista recente ao jornal Observador, D. Manuel Linda, Bispo do Porto terá dito que ”a virgindade só é associada a Maria como metáfora para provar que Jesus era uma pessoa muito especial.” Refere ainda que “nunca devemos referir a virgindade física de Virgem Maria” porque importa mais a plena doação dela a Deus. Depois, o P. Anselmo Borges afirma que “dizer que Jesus nasceu de uma mulher virgem é uma verdade teológica mas não necessariamente uma verdade biológica.” E a pergunta que me surge é: faz sentido pensar nisto e em que é que a fé cristã é afectada por isso?
Para os teólogos, seguramente que estas questões são matéria de estudo, mas a fé cristã é mais uma questão de experiência de vida, do que de estudo.
A realidade possui diversos níveis de compreensão e tudo o que se refere a Deus não é de todo definitivo. Enquanto que a ciência progride e uma teoria melhor pode substituir outra que tenha vingado por centenas de anos, no caso da teologia, as teorias não progridem, mas aprofundam-se.
A dimensão mariana da fé cristã está assente na sua virgindade? Não me parece. Está assente sobre a sua maternidade e sobre essa não existem dúvidas. O modo como Deus se faz presente na história do Universo em Jesus está para além do biológico e – arrisco – até mesmo teológico. Eu penso que é, acima de tudo, escatológico. Dito de outra forma, qualquer coisa que se manifesta ”já, mas não ainda.” Somos “escatologicamente” mais atraídos pelo futuro, do que projectados nesse por um passado que não se esgota nas questões que levanta.
A minha fé cristã não é abalada pela virgindade física, ou não, de Maria porque – opinião pessoal – não me interessa.
Interessa-me, antes, o Sim que Maria dá a Deus e que afecta a vida de qualquer ser humano quando toma conhecimento dessa escolha de doação total a Ele.
Neste momento, estou ciente de que os meus amigos ateus devem ter copiado a frase que dizia ”não me interessa” para criticarem o facto da minha fé não ter fundamento, de que vivo numa ilusão e de que a questão de Deus não passa de um devaneio da minha mente. Mas há alguém de fundamente a sua fé na veracidade de acontecimentos na história que ninguém assistiu ou tem possibilidade de verificar? Não me admiraria como seria uma fé frágil.
A minha fé
A minha fé assenta numa experiência do amor pessoal de Deus, vivido no seio de uma Comunidade e, por isso, fazendo dessa uma experiência profundamente relacional.
A minha fé assenta na direcção e sentido que Deus dá à minha vida, moldando as minhas atitudes e permanencendo numa abertura ao novo e inesperado que se manifesta em cada dia que vivo como a vontade de Deus no momento presente.
A minha fé assenta no “sim” de Maria a Deus, no “porquê” de Jesus ao sentir-Se abandonado pelo Pai, e no amor recíproco que me levou inúmeras vezes a experimentar a presença mística de Jesus entre nós.
A minha fé assenta na conversão radical de vida que assisti em diversos amigos que me levaram, também, a uma conversão pessoal.
O que me interessa
Interessam-me mais a questões teológicas e biológicas do que as verdades.
Não por existirem verdades que podem deixar de o ser, mas porque as verdades não nos movem como as perguntas. O poder transformativo da nossa vida e aprofundamento da nossa fé encontro-o nas experiências que fazemos. Por vezes de escuridão, outras vezes de luz, mas são essas que perfazem os momentos da história.
Lamento dizê-lo, mas a intimidade conjugal de Maria e José, bem como os contornos misteriosos (seja de que natureza for, teológica ou biológica) do nascimento de Jesus, pouco me interessam ou dos quais depende a minha fé.
Como dizia Teilhard de Chardin,
”Não será necessária, justamente, toda a duração dos séculos para que o nosso olhar se abra à luz?”
O que me intriga
No meio de todas estas controvérsias que nos levam a perder muito tempo com pouco, sobressai-se o valor transformativo do tempo na compreensão de Deus. Temos muito caminho ainda por percorrer. Daí que, mais importante do que as “verdades” para fazer caminho, são as questões que nos intrigam. Um exemplo.
Como pode uma criatura simples como Maria ter um papel tão acutilante na história da humanidade?
Para mim, esta é uma questão bem mais intrigante, e que me faz pensar como o curso da história depende do “sim” da mais simples e impensável pessoa. Quem sabe se uma dessas pessoas não serás… tu.
Acho interessante este assunto. O seu texto por vezes parece um pouco confuso; tavez uma ou outra gralha inimiga esteja a obscurecê-lo, mas continua com interesse.
Obrigado Lúcia. Penso ter corrigido algumas dessas gralhas, mas qualquer outra sugestão, agradeço. Agradeço também o interesse, mas permita-me a pergunta: o que a interessou mais?
Então, clarificando: achei interessante o modo como colocou o acento na maternidade de Maria, que, de facto ninguém põe em dúvida, mesmo quem tem dificuldade em aceitar a sua virgindade. Mas já agora adianto que esta não me parece irrelevante, já que a virgindade de Maria é um dos dogmas proclamados pela Igreja católica. Julgo que os católicos que tenham dificuldade em aceitar esse dogma devem, não obstante, respeitar quem crê e o aceita. Por isso me parece hábil o seu modo de valorizar a parte da dimensão mariana com que parece identificar-se mais. E que também eu entendo melhor.
Obrigado Lúcia pela reflexão. Penso que um dos grandes desafios que temos pela frente será testemunhar que o dogmas são mais transformativos quando vividos do que aceites porque proclamados pela Igreja. Quando esses fazem parte de um discurso desprovido de vida e experiência correm o risco de se tornarem meros raciocínios. São esses intelectualismos que não me interessam muito porque inspiram a mudar a nossa vida. Ressoa?