Ontem fui convidado a partilhar a minha experiência como cristão e professor no âmbito do Dia da Igreja Diocesana. O título que os jovens deram a este momento foi “Santos de calças de ganga”, uma expressão de São João Paulo II. Além de mim estava o Tomás (escuteiro) e a Maria João (professora de música) e o P. Diniz, responsável da Pastoral Juvenil de Coimbra que morava esta conversa. Cada um com uma vocação e experiência de vida diferente e que me tocou. Será que tocou também o coração daqueles jovens?
O facto de vivermos uma época de selfies corremos o risco de nos voltarmos demasiadamente para nós próprios, e estar numa sala a ouvir um diálogo, mesmo se dinâmico, pode não ser uma tarefa fácil, mas a vida tira partido destes momentos de pausa se quisermos. Partilho as respostas que tinha pensado dar às questões que estavam preparadas, apesar de no momento ter dado outras.
Qual sentes ser a tua vocação?
A santidade colectiva. A ser Santos juntos. Sou santo se o outro for santo também.
Sentem que a Igreja reconhece a vossa missão como tal?
Sim. Basta conhecer o que o Papa escreveu na última Exortação Apostólica. A santidade está ao alcance de cada pessoa.
Como é que vivem a fé no vosso dia a dia?
Nas pequenas coisas. Por exemplo, no simples sorriso, escuta sincera, olhar atento às dificuldades do outro, genuíno nos sentimentos, concretos nas acções. Ou seja, vivendo bem o momento presente como a Vontade de Deus para mim agora.
Por vezes implica interromper o que estou a fazer para acolher a partilha de um filho, a dúvida de um aluno, o pedido de um colega. Por vezes implica prescindir do que desejaria para ser dom de mim mesmo.
Por fim, a fé vivida como acto de confiança experimento-a quando procuro ver em cada próximo um outro Jesus, amando-o como tal. Por vezes, o outro pode ser um rosto de Jesus abandonado na cruz pela dificuldade que vive. Esses rostos são o que me levam mais a viver a fé.
Quais são as maiores dificuldades que sentem na vossa vocação?
Cansaço quando se ama sem limites. Duvidar e não encontrar modo de aprofundar a fé. Ver que o tempo não dá para tudo o que há para fazer. Isto é, fazer a experiência como a messe é grande e os trabalhadores são poucos. Depois, questiono se deveríamos fazer menos para dar mais espaço ao ser e estar mais. Por vezes, há tanto para organizar que o tempo para estar com o outro e gerar comunhão entre nós esvai-se. Como posso caminhar com cada próximo para uma santidade colectiva se depois não fazemos juntos uma experiência de Deus porque não há tempo para isso?
Sentem que existe uma preocupação, da parte dos jovens, para encontrarem a sua própria missão?
Os desafios colocados à juventude de hoje são realmente diferentes dos colocados na minha geração. Pela primeira vez sinto o “generation gap” estudado na disciplina de inglês do 3o ciclo. E o facto de haver menos jovens em algumas das iniciativas que preparamos leva-me a questionar onde estarão. No color run? Em casa, no sofá com um tablet ou smartphone à frente? A sensação é a de que as novas tecnologia e redes sociais gradualmente tomam o espaço de partilha de vida com outros jovens.
Felizmente, há ainda testemunhos atractivos de opções de vida e missão diferentes. Ainda há pouco tempo estive numa iniciativa organizada pelo CUMN (Centro Universitário Manuel da Nóbrega) onde escutei testemunhos de jovens que foram em missão para outros países. No Movimento dos Focolares não é invulgar encontrar jovens que, antes de entrar na Universidade, ou logo a seguir e terem terminado o curso, dedicam um período de 6 meses a 1 ano em missão noutros países.
A preocupação existe, mas acredito que nem sempre seja fácil dar o primeiro passo. Dar a conhecer essas experiências teria um grande valor para ajudar outros jovens a passar da preocupação à ocupação com a própria missão.
Porque é que ter uma missão é imprescindível para qualquer jovem?
Uma vida cristã é necessariamente uma vida missionária. “Ai de mim senão evangelizar.” – dizia S. Paulo. E uma missão pode ser vivida em muitas dimensões da vida de um jovem. Podem ser empenhativas como os grupos de jovens, missão país, grandes eventos, mas eu privilegiaria as que fazem parte do dia-a-dia.
Pode ser um modo de estar diferente na escola ou Universidade, onde os outros, independentemente da sua crença, se sintam acolhidos quando estão na tua presença. Isso faz-se nos gestos mais concretos de valorização do outro, ajuda nas pequenas coisas, no sorriso sincero, escuta atenta, presença que conforta e entusiasma a seguir em frente apesar das dificuldades, ou mesmo testemunho de não desistir diante das dificuldades porque confiamos que no fim tudo da certo, e se não der certo é porque não se chegou ao fim.
Nos dias de hoje o que é que nos afasta mais da nossa missão?
As distracções.
O estar 24 sobre 24 ligado à rede dá-nos uma sensação de conectividade que é falsa. Uma selfie sorridente pode preceder um rosto triste e, mais do que nunca, as aparências podem mesmo iludir.
Por outro lado, o uso excessivo do smartphone desvia a nossa atenção do momento presente. A ideia de multitasking está estudada e não é real. Não há multitasking, mas “switch-tasking” e isso significa que estamos, sistematicamente, a desviar-nos do momento presente.
Esta era de grande expansão dos meios de comunicação exige ainda algum tempo de adaptação. Por exemplo, o papel foi revolucionário no seu tempo, mas só agora que os dispositivos digitais vieram retirar muito do espaço anteriormente ocupado pelo papel, o que resta? Resta o espaço em que o papel se torna essencial. Sabiam que as pessoas que escrevem as suas resoluções do ano em papel têm uma probabilidade de as concretizar superior em 40%? Eu fiz essa experiência nos últimos meses e confirmo.
Será preciso tempo e uma mente aberta para descobrir o modo de lidar com os desafios da era tecnológica actual.