3. Em direcção a uma Teoria Unificada de Níveis da Realidade – A Abordagem Transdisciplinar

A transdisciplinaridade é fundada em três axiomas [10]:

·         O axioma ontológico: existem diferentes níveis da Realidade do Objecto e, correspondentemente, diferentes níveis da Realidade do Sujeito.

·         O axioma lógico: a passagem de um nível da Realidade para outro é assegurada pela lógica incluida no meio.

·         O axioma epistemológico: a estrutura da totalidade de níveis da Realidade aparece, no conhecimento que temos da natureza, da sociedade e de nós mesmos, como uma estrutura complexa: cada nível é o que é porque todos os níveis existem simultaneamente.

O conceito chave da transdisciplinaridade é o conceito de níveis da Realidade.

Por “nível da Realidade” designamos o conjunto de sistemas invariante de acordo com certas leis gerais: por exemplo, entidades quânticas estão subordinadas a leis quânticas, que se afastam radicalmente das leis macrofísicas do mundo. Isso quer dizer que dois níveis da Realidade são diferentes se, enquanto passam de um para o outro, existe uma falha das leis aplicáveis e nos conceitos fundamentais (como, por exemplo, a causalidade). Por isso, existe uma descontinuidade na estrutura dos níveis da Realidade. Cada nível da Realidade está associado com o seu próprio espaço-tempo.

A introdução de níveis de Realidade induz uma estrutura da Realidade multidimensional e multi-referencial. Ambas noções de “Real” e “níveis da Realidade” relacionam-se com aquilo que é considerado ser “natural” e “social” e, por isso, é aplicável ao estudo da natureza e da sociedade.

A nossa abordagem não é hierárquica. Não há nível fundamental. Mas a sua ausência não significa uma dinâmica anárquica, mas coerente, de todos os níveis da Realidade, os já descobertos ou que o serão no fut
uro.

Cada nível é caracterizado pela sua imperfeição: as leis que governam este nível são apenas parte da totalidade das leis que governam todos os níveis. E mesmo a totalidade das leis não se exausta na totalidade da Realidade: temos também de considerar o Sujeito e a sua interacção com o Objecto. O conhecimento está aberto para sempre.

A zona que está entre dois níveis diferentes, e para além de todos os níveis, é a zona da não-resistência às nossas experiências, representações, descrições, imagens e formulações matemáticas. Muito simplesmente, a transparência desta zona é devida às limitações dos nossos corpos e dos orgãos dos nossos sentidos, limitações essas que se aplicam independentemente dos instrumentos de medida – internos e externos – usados para extender esses orgãos dos sentidos. Por isso, temos de concluir que a distância topológica entre níveis é finita. No entanto, esta distância finita não significa conhecimento finito. Tomem, como imagem, um segmento de recta – contém um número infinito de pontos. De igual forma, a distância topológica finita pode conter um número infinito de níveis da Realidade.

A unidade dos níveis da Realidade do Objecto e a sua zona complementar de não-resistência constitui aquilo que chamamos por: o Objecto transdisciplinar.

Inspirados na fenomenologia de Edmund Husserl [11], afirmamos que os diferentes níveis da Realidade do Objecto são acessíveis ao nosso conhecimento graças aos diferentes níveis de percepção, potencialmente presentes no nosso ser. Estes níveis de percepção permitem aumentar a generalidade, unidade e visão  global da Realidade, sem esgotá-la na sua totalidade. De um modo rigoroso, estes níveis de percepção são, de facto, níveis da Realidade do Sujeito.

Tal como no caso dos níveis da Realidade do Objecto, a coerência dos níveis de Realidade do Sujeito pressupõem uma zona de não-resistência à percepção.

A unidade de níveis nos níveis da Realidade do Sujeito e esta zona complementar de não-resistência constituem aquilo que chamamos de Sujeito transdisciplinar.

As duas zonas de não-resistência do Objecto e Sujeito transdisciplinares devem ser idênticas para o Sujeito transdisciplinar comunicar com o Objecto transdisciplinar. Um escoamento de consciência que, coerentemente, atravessa os diferentes níveis da Realidade do Sujeito deve corresponder ao escoamento de informação que, coerentemente, atravessa os diferentes níves da Realidade do Objecto. Os dois escoamentos estão interrelacionados porque partilham a mesma zona de não-resistência.

O conhecimento não é exterior, nem interior: é simultaneamente exterior e interior. Os estudos do universo e do ser humano sustêm-se entre si.

A zona de não-resistência representa o papel de terceiro entre o Sujeito e o Objecto, um termo Interacção que permite a unificação do Sujeito transdisciplinar com o Objecto transdisciplinar, enquanto perser
va a sua diferença. Em seguida iremos chamar a este termo de Interacção de: o
Terceiro Escondido.

A nossa partição ternária {Sujeito, Objecto e Terceiro Escondido} é diferente de partição binária {Sujeito vs. Objecto} da metafísica clássica.

O Objecto transdisciplinar e os seus níveis, o Sujeito transdisciplinar e os seus níveis, e o Terceiro Escondido definem a Realidade transdisciplinar ou trans-Realidade (ver Fig. 1).

A imperfeição das leis gerais que governam um dado nível da Realidade significa que, num dado momento do tempo, descobrem-se, necessariamente, contradições na teoria que descreve o respectivo nível: afirma-se A e não-A ao mesmo tempo.

É a lógica [12] incluída no meio que permite saltar de um nível da Realidade para outro.

Aquilo que compreendemos do axioma do ‘meio incluído’ – existe um terceiro termo T que é A e ao mesmo tempo ‘não-A’ – está completamente clarificado uma vez introduzida a noção de “níveis da Realidade”.

De modo a obter uma imagem clara do significado do ‘meio incluído’, representemos os três termos da nova lógica – A, não-A e T – e a dinâmica a eles associada, por um triângulo no qual um dos vértices está situado num nível da Realidade e os outros dois vértices num outro nível da Realidade (ver Fig. 2). O ‘meio incluído’ é, de facto, um terceiro incluído. Se se permanece num só nível da Realidade, toda a manifestação aparece como uma luta entre dois elementos contraditórios. A terceira dinâmica, a do estado ‘T’, é exercitada num outro nível da Realidade, onde aquilo que aparece desunido está, de facto, unido, e aquilo que aparece contraditório é percebido como não-contraditório. Por outras palavras, a acção da lógica do ‘meio incluído’ nos diferentes níveis da Realidade é capaz de explorar a estrutura aberta da unidade entre os níveis da Realidade.

Todos os níveis da Realidade estão interconectados através da complexidade. De um ponto de vista transdisciplinar, a complexidade é a forma moderna do princípio antigo da interdependência universal. O princípio da interdependência universal encerra a máxima simplicidade possível que a mente humana pode imaginar, a simplicidade da interacção entre todos os níveis da realidade. Esta simplicidade não pode ser apreendida pela lógica matemática, mas apenas pela linguagem simbólica.

A teoria transdisciplinar dos níveis da Realidade é incompatível com a redução do nível espiritual ao nível psíquico, do nível psíquico ao nível biológico, e do nível biológico ao nível físico. Apesar disso, estes quatro níveis estão unidos através do Terceiro Escondido. Contudo, esta unificação não pode ser descrita por uma teoria científica. Por definição, a ciência exclui a não-resistência. A ciência, tal como é hoje definida, é limitada pela sua própria metodologia.

A noção transdisciplinar de níveis da Realidade leva também a uma nov
a visão da Pessoalidade, baseada na inclusão do Terceiro Escondido. Na abordagem transdisciplinar, somos confrontados com um
Sujeito múltiplo, capaz de conhecer o Objecto múltiplo.

A unificação do Sujeito é realizada pela acção do Terceiro Escondido, que transforma o conhecimento em compreensão. “Compreensão” significa a fusão entre o conhecimento e o ser. Num certo sentido, o Terceiro Escondido aparece como a fonte do conhecimento mas, por sua vez, precisa do Sujeito de modo a conhecer o mundo: o Sujeito, o Objecto e o Terceiro Escondido estão interrelacionados. A pessoa humana aparece como a interface entre o Terceiro Escondido e o mundo. O ser humano tem, por isso, duas naturezas: uma natureza animal e uma natureza divina, interrelacionadas e inseparáveis. Apagar o Terceiro Escondido do conhecimento significa um ser humano uni-dimensional, reduzido às suas células, neurónios, quarks e partículas elementares.

[10] Nicolescu, 1996

[11] Husserl, 1966.

[12] Lupasco, 1951; Badescu e Nicolescu (ed.), 1999; Brenner, 2007.