(Basarab Nicolescu na foto)

1. Introdução – Problema da terminologia

As palavras “redução” e “reducionismo” são extremamente ambíguas. Autores diferentes usam significados e definições diferentes e, por isso, geram-se polémicas extremamente contraproducentes.

Por exemplo, os filósofos entendem por “redução” a substituição de uma teoria por outra mais nova e mais abrangente, enquanto que os cientistas compreendem a mesma palavra, mas exactamente no sentido oposto. Por outras palavras, os filósofos reduzem o mais simples ao mais complexo, enquanto que os cientistas reduzem o mais complexo ao mais simples, compreendido como “mais fundamental”. Em física, por exemplo, reduz-se tudo a supercordas e membranas na esperança de chegar a uma “Teoria de Tudo”.

De facto, existem muitos outros significados dados à palavra “redução”: em química, na linguística, na cozinha, na fisiologia, na cirurgia ortopédica, etc.

De modo a evitar qualquer confusão, iremos adoptar o significado científico geral: algo reduz A a B, B a C, C a D, etc., até chegarmos ao que acreditamos ser o nível mais fundamental. O pensamento humano segue, de facto, o mesmo processo de redução. Redução é, de muitas maneiras, o processo natural para o pensamento e não há nada de errado nisso. O único problema está em compreender o que encontramos no fim da cadeia redutiva: será a cadeia circular e, se não for, como justificamos o conceito de “fim” no final da cadeia?

Em qualquer dos casos, temos de distinguir “redução” de “reducionismo”. Existem muitos tipos de reducionismos e o perigo de os confundir é grande.

Por vezes, “reducionismo” é definido através da afirmação de que um sistema complexo não passa da soma das suas partes. É necessário distinguir entre:

·         Reducionismo metodológico: reduzir a explicação às entidades mais simples possíveis.

·         Reducionismo teórico: reduzir todas as teorias a uma única teoria[1].

·         Reducionismo ontológico: reduzir toda a realidade ao número mínimo de entidades.

Na literatura encontramos outros tipos de reducionismo: por exemplo, Daniel Dennet define “Reducionismo ganancioso”[2] (a crença de que toda a explicação científica tem de ser reduzida a supercordas e membranas), enquanto que Richard Dawkins define o “Reducionismo hierárquico”[3] (existe uma hierarquia de sistemas organizacionalmente complexos, toda a entidade num nível redutível ao nível abaixo na hierarquia). O aparecimento de ambos os tipos de reducionismo serve de crítica às formas extremas de reducionismo. Contudo, o próprio facto de existirem tamanha variedade de reducionismos assinala a situação de crise do próprio reducionismo.

De forma a evitar confusões, iremos aceitar o reducionismo científico, significando esse a explicação dos processos espiritualmente complexos em termos de processos psíquicos que, por sua vez, são explicados por processos biológicos que, por seu turno, são explicados em termos de processos físicos. Por outras palavras, um cientista tipicamente reduz a espiritualidade à materialidade. O reducionismo filosófico irá corresponder ao encadeamento inverso: reduzir a materialidade à espiritualidade. Ambos os tipos pertencem ao que podemos chamar de mono-reducionismo. Alguns filósofos aceitam a abordagem dualista: materialidade como radicalmente distinta da espiritualidade. A abordagem dualista é uma variante do “reducionismo filosófico”: corresponde a um multi-reducionismo. Até se pode ver, especialmente na literatura de tipo New Age, formas daquilo que se poderia chamar de inter-reducionismo: i.e. a transferência de alguns aspectos materiais a entidades espirituais ou, vice versa, a transferência de algumas características espirituais a entidades físicas.

O não-reducionismo expressa-se através do “holismo” (significando que o todo é mais do que a soma das suas partes e determina como as partes se comportam) e do “emergentismo” (significando que estruturas novas, padrões ou propriedades emergem de interacções relativamente simples, resultando em camadas dispostas em termos de uma complexidade crescente). Holismo e emergentismo possuem as suas dificuldades: eles devem explicar de onde vem a novidade, sem que as explicações sejam ad hoc.

Como veremos, a noção de níveis de realidade é crucial para conciliar reducionismo (tão útil nas explicações científicas) com anti-reducionismo (tão claramente necessário em sistemas complexos). Mas antes de ver melhor este aspecto, temos de reconhecer a extrema ambiguidade da expressão “nível de realidade”. Uma pesquisa rápida no Google mostra-nos mais de 1,400,000 de entradas! Uma verdadeira Torre de Babel. Isto significa, simplesmente, que as palavras “realidade” e “nível” não estão bem definidas e todos usam-nas de um modo pouco rigoroso. Na literatura filosófica, encontram-se muitos tipos de níveis: níveis de organização, níveis de integração, níveis de linguagem, níveis de representação, níveis de interpretação, níveis de complexidade, níveis de conhecimento, e níveis de ser. Porque precisamos nós de um novo conceito de “níveis de Realidade”?

Os dicionários dizem-nos que “realidade” significa[4]: 1) o estado ou qualidade de ser real; 2) semelhança com o que é real; 3) uma coisa real ou facto; 4) algo que constitui uma coisa de facto real, distinta de algo aparente. Estas não são, claramente, definições, mas descrições num círculo vicioso: “realidade” definida em termos do que é “real”. Num sentido mais restrito, poder-se-ia definir “realidade” como “tudo o que produz efeitos em qualquer outra coisa”[5]. Esta definição acentua a causalidade, mas tem de se definir qual o tipo de causalidade aqui envolvida.

No sentido de evitar qualquer ambiguidade, irei definir “realidade” no sentido usado pelos cientistas, nomeadamente em termos de “resistência”[6].

Em primeiro lugar, entendemos designar por “realidade” aquilo que resiste às nossas experiências, representações, descrições, imagens, ou até formulações matemáticas. Acentua-se, assim, aquilo que uma visão relacional da “realidade” possa significar.

Pelo facto do conceito de realidade participar no ser do mundo, deve ser-lhe atribuída uma dimensão ontológica. A realidade não é meramente uma construção social, o consenso de uma colectividade, ou algum acordo inter-subjectivo. Também possui uma dimensão trans-subjectiva: por exemplo, dados experimentais podem arruinar a mais bela das teorias científicas.

O significado que damos à palavra “Realidade” é, por isso, pragmático e ao mesmo tempo ontológico. Em consequência disso mesmo irei escrever a palavra com letra maiúscula.

É claro que nem tudo é resistência. Por exemplo, a noção de anjos está certamente ligada com a não-resistência. Assim como os poderes de Deus, pois não resistem às nossas experiências, representações, descrições, imagens e formulações matemáticas.

No sentido de evitar mais ambiguidades, precisamos de distinguir as palavras “Real” e “Realidade”. Real designa aquilo que é, enquanto que Realidade está ligada à resistência na nossa experiência humana. Por definição, o “Real” é velado para sempre (não tolera quaisquer outras qualificações) enquanto a “Realidade” está acessível ao nosso conhecimento. O Real envolve não-resistência, enquanto que Realidade envolve resistência.

De seguida irei descrever alguns aspectos históricos que dizem respeito ao conceito de “nível de R
ealidade”.


[1] Ou “Reducionismo epistemológico” que reduz diversas formas de conhecimento a uma só. (NdT)

[2] Dennet, 1995.

[3] Dawkins, 1976.

[4] http://dictionary.reference.com/browse/reality

[5] Poli, 2008.

[6] Nicolescu, 1985, 2000.