4. Notas Futuras

É óbvio que um grande trabalho permanece por fazer de forma a formular a teoria unificada dos níveis da Realidade, válida em todos os campos do saber, que envolvem, no início do século XXI, mais de 8000 disciplinas académicas, cada uma reclamando a sua verdade e possuindo as suas leis, normas e terminologia.

Eu acredito que a teoria transdisciplinar dos níveis da Realidade é um bom ponto de partida para eliminar a fragmentação do conhecimento, e, por isso, a fragmentação do ser humano. Precisamos muito de uma hermenêutica transdisciplinar [14]. Esta é, realmente, a grande questão.

Neste contexto, o diálogo da transdisciplinaridade com o pensamento patrístico, e, em particular, com o pensamento apofático, será, claramente, muito útil. O Terceiro Escondido é uma característica basicamente apofática da unidade de conhecimento futura [15].

A teoria das categorias certamente que será também útil. Mas não é preciso ter medo da metafísica e clarificar como podem ser descritas as propriedades trans-categoriais. É muito difícil, senão impossível, conceber tal noção subtil como a de “pessoalidade” sem recorrer à metafísica.

A física quântica é também muito preciosa porque conduz a uma boa compreensão do papel desempenhado pela descontinuidade no pensamento filosófico. A abordagem de Heisenberg dos níveis da Realidade é apenas um exemplo magnífico neste sentido.

Tenho também muita esperança na potencial contribuição para uma teoria unificada dos níveis da Realidade de um novo ramo de conhecimento – a biosemiótica, tal como é exposta, no estimulante livro Signs of Meaning in the Universe (Sinais de Significado no Universo) de Jesper Hoffmeyer [16]. A Biosemiótica é transdisciplinar na sua própria natureza [17]. Nós vivemos numa semiosfera, da mesma forma que vivemos na atmosfera, hidrosfera e biosfera. O ser humano é o único ser no universo capaz de conceber uma riqueza infinita de mundos possíveis. Estes “mundos possíveis” correspondem, certamente, a diferentes níveis da Realidade. Conceitos poderosos elaborados pelo biosemiólogos, como o da liberdade semiótica, podem levar-nos a compreender o que pode significar “pessoalidade”. “O ser humano é o sinal mais perfeito”, diz Peirce.

A biosemiótica baseia-se na filosofia de Charles Sanders Peirce (1839-1914), um grande filósofo, lógico, matemático do início do século XX [18]. Para Peirce, a Realidade possui uma estrutura ternária. Todas as nossas ideias acerca da Realidade pertencem a três classes: Primeireza, Segundeza e Terceireza. Estas classes possuem propriedades trans-categoriais, através do modo como Peirce define o que é Primeireza. Existe um teorema poderoso na teoria gráfica estabelecido por Peirce, dizendo que cada políada [19] superior até a uma tríade pode ser analisada em termos de tríades, mas as tríades não podem ser analisadas em termos de díades. Isto leva-o a pensar sobre três modos de ser, manifestações de três universos da experiência. A correspondência da dinâmica ternária de Peirce com a dinâmica ternária da transdisciplinaridade da Realidade {Sujeito, Objecto, Terceiro Escondido} é admirável e deveria ser mais explorada. «O que é a Realidade?» – pergunta Peirce [20]. Ele diz-nos que talvez não haj
a nada de todo que corresponda à Realidade. Pode ser apenas um pressuposto de trabalho na nossa tentativa desesperada de conhecer. Mas se existe a Realidade – diz-nos Peirce – deve consistir no facto que
o mundo vive, move-se e tem em si mesmo uma lógica de eventos, que corresponde à nossa razão. O ponto de vista de Peirce sobre a Realidade corresponde totalmente ao da transdisciplinaridade.

Finalmente, noto que a teoria unificada dos níveis da Realidade é crucial no desenvolvimento do edifício e futuro sustentáveis. As considerações presentes neste assunto baseiam-se num pensamento reducionista e binário: tudo é reduzido à sociedade, economia e ambiente. O nível individual da Realidade, o nível espiritual da Realidade e o nível cósmico da Realidade são completamente ignorados. Futuros sustentáveis, tão necessários à nossa sobrevivência, podem apenas ser baseados numa teoria unificada dos níveis da Realidade. Nós somos parte do movimento ordenado da Realidade. A nossa liberdade consiste em entrar no movimento ou perturbá-lo. A Realidade depende de nós. A Realidade é plástica. Podemos responder ao movimento ou impôr a nossa vontade de poder e dominação. A nossa responsabilidade é construir futuros sustentáveis de acordo com o movimento global da realidade.

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[14] van Breda, 2007.

[15] Nicolescu, 2006.

[16] Hoffmeyer, 1996.

[17] Witzany (ed.), 2007.

[18] ver, e.g. Hartshorne (Ed.), 1931-1958 e Peirce, 1966.

[19] um grupo de consiste num indeterminado número de coisas ou pessoas (N.d.T.)

[20] Peirce, 1976, vol. IV, pp.383-384.