3. A “imago Dei” no Concílio Vaticano II e na teologia actual

21. Não obstante essas tendências contrárias, durante toda a metade do século XX assistimos a uma progressiva recuperação do interesse pela teologia da imago Dei. Graças a um atento estudo das Escrituras, dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos da Escolástica, resgatou-se a consciência da ubiquidade e importância do tema da imago Dei. Esta redescoberta já era plenamente real entre os teólogos católicos antes ainda do Concílio Vaticano II. E o Concílio, por seu turno, deu novo impulso à teologia da imago Dei, particularmente na Constituição Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje.

22. Evocando o tema da imagem de Deus, na Gaudium et Spes o Vaticano II afirma a dignidade do Homem tal como esta é ensinada em Gn 1,26 e no Salmo 8,6 (GS 12). Segundo a visão conciliar, a imago Dei consiste na fundamental orientação do Homem para Deus, fundamento da dignidade humana e dos direitos inalienáveis da pessoa humana. Dado que todo ser humano é imagem de Deus, ninguém pode ser obrigado a submeter-se a qualquer sistema ou finalidade deste mundo. O senhorio do Homem no cosmos, a sua capacidade de existência social, e o conhecimento de Deus e o amor a Deus, todos estes são elementos que encontram as suas raízes no facto de que o Homem foi criado à imagem de Deus.

23. Na base do ensinamento conciliar está a determinação cristológica da imagem: Cristo é que é a imagem visível do Deus invisível (Cl 1,15) (GS 10). O Filho é o Homem perfeito que restitui aos filhos e às filhas de Adão a semelhança divina, ferida pelo pecado dos primeiros genitores (GS 22). Revelado por Deus que criou o Homem à sua imagem, cabe ao Filho dar ao Homem uma resposta às questões sobre o sentido da vida e da morte (GS 41). O Vaticano II, além disso, sublinha a estrutura trinitária da imagem, conformando-se a Cristo (Rm 8,29) e através dos dons do Espírito Santo (Rm 8,23), é criado um Homem novo, capaz de cumprir o mandamento novo (GS 22). Os santos são aqueles que se transformaram plenamente na imagem de Cristo (cf. 2Cor 3,18): nos santos, Deus manifesta a sua presença e a sua graça como sinal do seu Reino (GS 24). Partindo da doutrina da imagem de Deus, o Concílio Vaticano II ensina que a actividade humana reflecte a criatividade divina que é seu modelo (GS 34) e que deve orientar-se para a justiça e para a comunhão, a fim de promover a formação de uma só família na qual possam todos ser irmãos e irmãs (GS 24).

24. O renovado interesse pela teologia da imago Dei, que aflorou a partir do Concílio Vaticano II, também se reflete na teologia contemporânea, onde se verificaram desenvolvimentos em diversas áreas. Antes de mais nada, os teólogos trabalham para demonstrar como a teologia da imago Dei ilumina as conexões entre a antropologia e a cristologia. Sem negar a graça única concedida ao género humano mediante a Encarnação, os teólogos querem reconhecer o valor intrínseco da criação do Homem à imagem de Deus. As possibilidades que Cristo abre ao Homem não significam a supressão da realidade do Homem como criatura, mas a sua transformação e realização segundo a imagem perfeita do Filho. Além disso, em conjunto com esta nova compreensão do nexo entre cristologia e antropologia, emerge também uma compreensão maior do aspecto dinâmico da imago Dei. Sem negar o dom representado pela criação originária do Homem à imagem de Deus, os teólogos querem reconhecer a verdade que, à luz da história humana e da evolução da cultura humana, pode-se considerar a imago Dei, em sentido real, ainda em devir. Não só, mas a teologia da imago Dei estabelece também uma ulterior conexão entre a antropologia e a teologia moral, demonstrando como o Homem, no seu próprio ser, participa da lei divina. Esta lei natural orienta as pessoas humanas para a busca do bem nas suas acções. Daí se segue, enfim, que a imago Dei tem uma dimensão teleológica e escatológica que define o Homem como homo viator, orientado para a parúsia e para a consumação do plano divino para o universo, tal como se realiza na história de graça na vida de cada indivíduo humano em particular e na história de todo o género humano.