2. A crítica moderna da teologia da “imago Dei”

18. A centralidade da teologia da imago Dei, no interior da antropologia teológica, manteve-se até o alvorecer da era moderna. Tal era a força e o fascínio exercido por essa doutrina que, ao longo de todo o percurso da história do pensamento cristão, ela foi capaz de fazer face às críticas isoladas (por exemplo, na iconoclastia) segundo as quais o seu antropomorfismo fomentava a idolatria. Na idade moderna, porém, a teologia da imago Dei foi objecto de críticas mais rigorosas e sistemáticas.

19. A concepção de um universo que progride graças à ciência moderna passou a ocupar o lugar da ideia clássica de um cosmos feito à imagem divina, deslocando assim um elemento importante da estrutura conceptual que servia de apoio à teologia da imago Dei. Esta última temática foi considerada pelos empiristas como desadaptada à experiência, e considerada ambígua por parte dos racionalistas. Mas o mais significativo factor de entre aqueles que minaram a teologia da imago Dei foi uma concepção da pessoa humana como sujeito autónomo que se autoconstitui, separado de qualquer relação com Deus. Com este desenvolvimento não era mais possível sustentar a noção de imago Dei. Daqui ao derrubar da antropologia bíblica o passo era pequeno, um passo que assumiu formas diversas no pensamento de Ludwig Feuerbach, Karl Marx e Sigmund Freud: não é o Homem que é feito à imagem de Deus, mas Deus é simplesmente uma imagem projectada pelo Homem. No final, para que o Homem pudesse declarar-se autoconstituído, o ateísmo era um pressuposto necessário.

20. Inicialmente, o clima da teologia ocidental do século XX não era favorável ao tema da imago Dei. Tendo em conta os desenvolvimentos do século precedente, que descrevemos logo acima, era talvez inevitável que algumas formas da teologia dialética considerassem o tema como uma expressão da arrogância humana, pela qual o Homem se confronta com Deus ou se equipara a Ele. A teologia existencial, pondo a ênfase sobre o evento do encontro com Deus, pôs em discussão o conceito, implícito na doutrina da imago Dei, de uma relação estável ou permanente com Deus. A teologia da secularização negou a noção de uma referência objectiva no mundo que ponha o Homem em referência a Deus. O “Deus sem propriedades” – de facto um Deus impessoal – proposto por certas versões da teologia negativa não podia ser um modelo para o Homem feito à sua imagem. Na teologia política, que põe no centro do seu interesse a ortopraxia, o tema da imago Dei foi deixado na sombra. Enfim, outras críticas partiram de teólogos e de representantes do pensamento leigo, que acusavam a teologia da imago Dei de ter alimentado uma falta de consideração para com o ambiente natural e o bem-estar dos animais.