2. Homem e mulher

32. Na Familiaris consortio, João Paulo II afirmou: “Porque o Homem é um espírito encarnado, isto é, uma alma que se exprime no corpo e um corpo informado por um espírito imortal, o Homem é chamado ao amor na sua totalidade unificada. O amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual” (n. 11). Criados à imagem de Deus, os seres humanos são chamados ao amor e à comunhão. Como esta vocação se realiza de modo peculiar na união procriativa entre marido e mulher, a diferença entre o Homem e a mulher é um elemento essencial na constituição dos seres humanos feitos à imagem de Deus.

33. “Deus criou o Homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou Homem e mulher” (Gn 1,27; cf. Gn 5,1-2). Segundo a Escritura, por conseguinte, a imago Dei manifesta-se, desde o princípio, na diferença entre os sexos. Talvez se possa dizer que o ser humano existe apenas como masculino ou feminino, dado que a realidade da condição humana aparece na diferença e na dualidade dos sexos. Portanto, longe de ser um aspecto acidental ou secundário da personalidade, este é um elemento constitutivo da identidade pessoal. Todos temos um modo próprio de existir no mundo, de ver e pensar, de sentir, de estabelecer relações de troca recíproca com outras pessoas, elas também definidas pela sua identidade sexual. Segundo o Catecismo da Igreja Católica: “A sexualidade afecta todos os aspectos da pessoa humana, na unidade do seu corpo e alma. Diz respeito particularmente à afectividade, à capacidade de amar e de procriar, e, de um modo mais geral, à aptidão a criar laços de comunhão com outrem” (CdIC, 2332). Os papéis atribuídos a um e ao outro sexo podem variar no tempo e no espaço, mas a identidade sexual da pessoa não é uma construção cultural ou social. Pertence ao modo específico no qual a imago Dei existe.

34. Esta especificidade é reforçada pela encarnação do Verbo. Ele assumiu a condição humana na sua totalidade, assumindo um sexo, mas tornando-se Homem em ambos os sentidos do termo: enquanto membro da comunidade humana e como um ser do sexo masculino. A relação entre cada um de nós e Cristo é determinada de dois modos: depende da identidade sexual própria e da de Cristo.

35. Além disso, a Encarnação e a Ressurreição estendem igualmente à eternidade a identidade sexual originária da imago Dei. O Senhor Ressuscitado, agora sentado à direita do Pai, continua sendo Homem. Podemos ainda observar que a pessoa santificada e glorificada da Mãe de Deus, agora assumida corporalmente ao céu, continua sendo mulher. Quando na Carta aos Gálatas (cf. Gl 3,28) São Paulo anuncia que, em Cristo, são anuladas todas as diferenças, inclusíve aquela entre Homem e mulher, afirma que nenhuma diferença humana pode impedir a nossa participação no mistério de Cristo. A Igreja não aceitou as teses de São Gregório de Nissa e de alguns outros Padres da Igreja, que afirmavam que as diferenças sexuais como tais ficariam anuladas com a ressurreição. As diferenças sexuais entre Homem e mulher, embora se manifestem certamente com atributos físicos, de facto transcendem o puramente físico e tocam o próprio mistério da pessoa.

36. A Bíblia não suporta em nada o conceito de superioridade natural do sexo masculino sobre o sexo feminino. Apesar das suas diferenças, os dois sexos gozam de uma implícita igualdade. Como escreveu João Paulo II na Familiaris consortio: “Quanto à mulher, é preciso notar, antes de mais, a sua igual dignidade e responsabilidade em relação ao Homem. Tal igualdade encontra uma forma singular de realização na doação recíproca de si entre os esposos e deles próprios aos filhos, doação que é específica do matrimónio e d família. […] Ao criar o Homem «Homem e mulher», Deus dá a dignidade pessoal de igual modo ao Homem e à mulher, ao enriquecê-los com os direitos inalienáveis e com as responsabilidades próprias da pessoa humana” (N. 22). Homem e mulher são igualmente criados à imagem de Deus. Homem e mulher são pessoas, dotadas de inteligência e vontade, capazes de orientar a própria vida no exercício da liberdade. Mas cada um fá-lo do modo próprio e peculiar da sua identidade sexual, de modo que a tradição cristã pode falar de reciprocidade e complementaridade. Estes termos, que ultimamente se tornaram de certo modo contorversos, são no entanto úteis para afirmar que o Homem e a mulher têm necessidade um do outro para alcançar uma plenitude de vida.

37. Sem dúvida, a amizade original entre o Homem e a mulher foi seriamente comprometida pelo pecado. Através do milagre realizado nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1ss), Nosso Senhor Jesus Cristo mostra que veio restaurar a harmonia querida por Deus na criação do Homem e da mulher.

38. A imagem de Deus, que se deve encontrar na natureza da pessoa humana como tal, pode realizar-se de modo especial na união e
ntre os seres humanos. Como tal união tem por meta a perfeição do amor divino, a tradição cristã sempre afirmou o valor da virgindade e do celibato, que promovem relações de casta amizade entre pessoas humanas e são, ao mesmo tempo, sinal da realização escatológica de todo o amor criado no Amor incriado da Bem-aventurada Trindade. Justamente a esse propósito o Concílio Vaticano II esboçou uma analogia entre a comunhão das Pessoas divinas entre si e aquela que os seres humanos são chamados a formar aqui na terra (cf. GS 24).

39. Se é indubitavelmente verdade que a união entre os seres humanos pode efectuar-se de muitos modos, a teologia católica hoje afirma que o matrimónio constitui uma forma elevada de comunhão entre as pessoas humanas e uma das maiores analogias da vida trinitária. Quando um Homem e uma mulher unem os seus corpos e espíritos em atitude de total abertura e doação de si, formam uma nova imagem de Deus. A união deles numa só carne não corresponde simplesmente a uma necessidade biológica, mas à intenção do Criador que os leva a compartilhar a felicidade de serem criados à sua imagem. A tradição católica fala do matrimónio como um eminente caminho de santidade. “Deus é amor e vive em Si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Ao criar a humanidade do Homem e da mulher à sua imagem […], Deus inscreveu nela a vocação ao amor e à comunhão e, portanto, a capacidade e a responsabilidade correspondentes” (CdIC 2331). O Concílio Vaticano II também frisou o significado profundo do matrimónio: “… os cônjuges cristãos, em virtude do sacramento do Matrimónio, com que significam e participam o mistério da unidade do amor fecundo entre Cristo e sua Igreja” (cf. Ef 5,32); auxiliam-se mutuamente para a santidade, pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos” (LG 11; cf. GS 48).