Experimentar Deus

Uma experiência envolve duas coisas.
Um encontro.
E a interpretação desse encontro.

Quando nos encontramos com algo, ou alguém, há em nós uma tomada de consciência desse encontro. Ou seja, é um encontro que ganha expressão na nossa consciência humana.

Depois, no caso desse encontro ser com outra pessoa, há sempre algo real que escapa sempre à nossa compreensão. Algo que está para além de ver o outro, escutá-lo, senti-lo, ou seja, a percepção do outro através dos nossos sentidos.

Sim.
Há algo mais.

Experimentar Deus nos sentidos

Realidade sensível

O momento do encontro é muito objectivo, mas é o cruzamento entre encontrar e interpretar que nos permite distinguir um encontro real de uma distorção suscitada por algo inteiramente subjectivo em nós. Ou seja, suscitado pela nossa imaginação, mas que não se trata de um encontro real que possamos interpretar.

A experiência de Deus não é só uma experiência sensível.

Mesmo se comemos a hóstia, somos baptizados com água, ungidos com óleo no crisma, apesar de serem experiências sensíveis que nos podem levar a uma tomada de consciência de Deus, a verdade é que isso pode não acontecer.

 

Realidade intelectual

Um outro modo de encontrar a realidade é através da intelectualidade. Michael Polanyi escreveu muito (e bem) sobre o conhecimento tácito. Aquele em que afirmarmos saber mais do que pensamos saber. Pensa numa sinfonia, apesar de teres a capacidade de distinguir cada nota, não é isso que fazemos, mas deixamo-nos imergir na beleza de toda a sinfonia, com todas as notas e parece-nos ser algo que está para além da lógica. É um algo mais.

A experiência de Deus não é só uma experiência intelectual.

Há muitos conceitos de Deus e todos são por analogia. De Deus sabemos pouco, e saberemos sempre muito pouco. Aquilo que atribuímos a Deus são apenas imagens intelectuais da experiência sensível que fazemos no quotidiano, como a bondade e quando o chamamos de Pai. Deus transcende os nossos conceitos e por isso, apesar da experiência intelectual ser importante, é insuficiente para atingir a Realidade-que-tudo-determina.

 

Realidade pré-conceptual

Pensa novamente na beleza. A beleza da sinfonia depende da experiência sensível de ouvir, e da experiência intelectual da ordem em que as notas são dispostas e padrões harmoniosos que formam. Mas a experiência de beleza, propriamente dita, transcende a nossa capacidade de ouvir ou de pensar nos padrões que ouvimos. Por vezes, nem conseguimos encontrar palavras para a experiência que fazemos. Usamos imagens, conceitos, mas – no fundo – não exprimem totalmente o que realmente experimentamos. A um dado momento só nos resta mesmo dizer – “tens de ouvir para perceber…”

Pensa agora no amor entre duas pessoas. Do marido pela sua mulher, da mãe para com a sua filha. Esse amor é uma experiência bem sensível, com muitos momentos concretos – alguns de aperto no estômago, outros de euforia -, e até podemos tentar verbalizar o que esse amor representa para nós. Mas por mais bonitas sejam as palavras que usamos, sabemos, e sabemos bem, que não exprimem totalmente o que experimentamos. Há qualquer coisa de inexprimível que fica sempre por dizer. A experiência desse amor, na prática, transcende os sentidos e o intelecto.

Em síntese, muitas das experiências, como a beleza e o amor, ocorrem a um nível mais profundo de vivência da realidade e fazemo-las antes de qualquer conceito concebido. São pré-conceptuais.


Realidade escondida

É assim a experiência de Deus.
Pré-conceptual.
Transcende os sentidos e o intelecto.
É uma realidade escondida que apenas um coração aberto ao “mistério”, isto é, aberto ao que não sabe sequer conceber, pode percepcionar.

É através desse “mistério” que está ao teu alcance que podes – se quiseres – experimentar a presença de Deus e a Sua acção.


Questão: já tentaste?


Baseado em “Human experience of God”, Denis Edwards, Paulist Press, 1983