«Não acredito num Deus pessoal.» — disse-me uma vez um amigo que tinha sido católico durante 30 anos e que pelos livros escritos por alguns ateus, deixou de crer em Deus. Há dias escrevi que Deus era uma “pessoa especial”, tendo sido chamado à atenção de que isso não era muito rigoroso porque Deus é um só mas três pessoas por ser uno e trino e lembrei-me da experiência com aquele amigo. Pensar na “pessoalidade” de Deus será sempre ingrato porque a a linguagem humana é excelente para podermos falar uns com os outros, mas tem muita dificuldade em encontrar os termos justos para falar de Deus.

Aprendi do teólogo John Zizioulas no seu livro “Being as Communion” e mais tarde noutro livro intitulado “Communion and Otherness” que Deus pode ser compreendido como Pessoas-em-Comunhão. Logo, referir-me a Deus como “pessoa especial” poderia diminuir esta intuição de unidade na diversidade. Mas como posso ter um relacionamento pessoal com Deus se não fosse, também, pessoa?

Actualmente, a noção que temos de pessoa é a do próprio. Isto é, quando me refiro à totalidade de alguém que existe por si mesmo, não pelo cargo que tem na sociedade ou pelo seu papel no seio de uma comunidade. Mas em Latim, persona indicava o modo de ser de alguém, e não tanto o indivíduo como ser indivisível. Por exemplo, na escola dos meus miúdos quando eram mais pequenos ninguém me chamava Miguel, mas pai da Sara, por exemplo. Na universidade, os alunos não me chamavam por Miguel, mas “Oh professor…”. Por isso, ligar a palavra pessoa, ou o seu plural, a Deus, nós sujeitamo-nos à evolução cultural da linguagem, mesmo que não nos demos conta disso. Qual, então, o problema que a linguagem levanta quando queremos falar de Deus aos outros?

As palavras são fundamentais para comunicarmos a realidade que construímos aos outros e reciprocamente. Da interacção entre nós surge uma versão da realidade mais próxima da Verdade e, pouco a pouco, vamos aprendendo um pouco mais sobre a realidade que emerge do cruzamento de histórias pessoais. Mas Deus é um paradoxo para a nossa inteligência e linguagem como Realidade inapreensível.

Deus está mais próximo de nós do que nós relativamente a nós próprios. Quer dizer que Deus conhece-nos no que é mais íntimo, mas não podemos conhecer nada do íntimo de Deus a não ser que Ele o revele sobre si mesmo. E como a sensibilidade ao modo como Deus comunica connosco é fruto do crescimento espiritual de cada um, a linguagem escrita e falada são uma ponte, mas limitada. Precisamos, também, de uma linguagem espiritual que nos transforme por dentro.

O pouco ou muito que lemos ou estudamos sobre Deus não permite ultrapassar os limites da nossa linguagem quando nos referimos a Deus. Por isso, é delicado dizer o que é correcto ou incorrecto quanto ao Ser de Deus quando a fronteira está na limitação de base que é a própria linguagem. No sentido de caminharmos para algum lado, uma linguagem espiritual convida-nos, antes de começarmos a escrever ou a falar, a começar por escutar.

Quem escuta acolhe o que chega dos relacionamentos com os outros e o exterior, isto é, fora de si. Mas a escuta não se limita ao movimento do exterior para o interior, mas, também, do interior consciente no qual surgem as nossas ideias e compreensão nova. As palavras que provêm do exterior alteram a nossa mente, por isso, as palavras que brotam do nosso interior provêm de uma mente transformada e podem transformar os outros quando partilhadas. Cientes de que a linguagem será sempre limitada, se a reciprocidade transforma-nos, em vez de falarmos pouco sobre Deus uns com os outros, creio que o contrário é o que favorece o processo da aproximação da Verdade, isto é, Deus. Devíamos de falar mais de Deus uns com os outros para distribuirmos as nossa imperfeições e superarmos juntos os nossos limites.