“Puro acaso, absolutamente livre e cego, na própria raiz do edifício estupendo da evolução: este conceito central da biologia não é mais um entre outras hipóteses possíveis ou até mesmo concebíveis. É hoje, a única hipótese concebível, a única que se ajusta com o facto observado e testado”
Jacques Monod



Que acaso é esse que assusta os Cristãos e parece tornar contraditória evolução e criação? 

Jacques Monod era ateu materialista e, por isso, reduzindo a realidade a um só nível, apenas concebe a contrariedade entre um universo que conta com o acaso para a sua evolução e a acção de Deus que entende como determinista e intervencionista.

Acaso em inglês diz-se chance. Podemos dizer “things happen by chance” (as coisas acontecem por acaso) e o sentido atribuído ao acaso é estatístico e expressa a nossa ignorância relativa à probabilidade de ocorrência de algo, fruto de múltiplos parâmetros envolvidos em interacção entre si. Por isso, pode designar-se por acaso-aleatório. Mas podemos também dizer “I’m going to give you a chance” (vou dar-te uma oportunidade), e aqui, o acaso exprime oportunidade à emergência de novidade. Neste caso, o acaso exprime o resultado da intersecção entre cadeias de eventos, casualmente relacionadas, que de outra forma não estariam. Nesse sentido, o acaso-oportuno é contingente, e daí a expressão “acaso contingente”, ou seja, a sua ocorrência não é evidente por si mesma, nem necessária e podia ter ocorrido de forma diferente, mas ocorrendo, é fonte de criatividade e novidade.

Tendo em conta estas duas leituras para o acaso, em termos da sua estrutura matemática, o acaso significa que toda a série de eventos que daí emerge não se conforma a qualquer padrão ou regra inteligível. Neste sentido, eventos casuais ou aleatórios não são solitários, mas colectivos porque associados a uma ‘série de eventos’, evidenciando o acaso como um conceito relacional. Por fim, se fizermos um comentário filosófico, ou teológico, sobre as estruturas matemáticas associadas ao acaso contingente significa fazermos a sua interpretação exegética, segundo Michael Heller. Então, o acaso pode ser interpretado exegeticamente como uma condição relacional criativa.

Se Deus-Trindade são Pessoas-em-comunhão, para Deus agir é relacionar-se. Logo, não me admira que o acaso contingente seja precisamente esse imenso espaço de possibilidades que abre o mundo à novidade da acção de Deus através dos relacionamentos. Um universo inacabado é um universo da promessa, cheio de surpresas, que nos atrai do futuro em direcção ao que devemos ser partindo daquilo que somos.