Há uma tendência natural a pensar que a história do nosso planeta está nas mãos das decisões políticas (como no acordo em Paris durante o COP21), iniciativas financeiras (como o Breakthrough Energy Coalition, protagonizado por muitos investidores e filantropos entre os quais Bill Gates), ou até mesmo do desenvolvimento tecnológico, e isso é verdade. Mas nada se compara com a vontade de 7 mil milhões de pessoas deste planeta. Essas sim podem fazer uma verdadeira mudança na forma como vivemos, através dos estilos de vida, e isso sim pode produzir um impacte sem precedentes na história deste planeta. Então, porque não fizemos já alguma coisa por isso?

Sensibilidade. Não há ainda uma ideia clara de como as questões planetárias têm a ver com cada um de nós. As necessidades do imediato sobrepõem-se frequentemente às questões globais. Há uma distância demasiado grande entre o quotidiano e o futuro do planeta. A impressão que commumente temos é a de sermos um grão de areia à escala planetária. E um grão de areia pouco pode fazer quando o vento dos decisores políticos do mundo se faz soprar. Mas isso não é verdade. Uma mente esclarecida é suficiente para ativar a vontade humana que pode transformar o mundo com gestos concretos. 
Uma vez disseram-me que uma empresa ao receber a crítica de um cliente em relação a um produto multiplica sempre por 1000 clientes que fizeram a mesma experiência, mas não a comunicaram. Cada vontade vale. Portanto, a questão que se coloca é: como desenvolver a sensibilidade de cada pessoa para a necessidade de ativar a sua vontade e realizar gestos concretos que possuem uma influência significativa no planeta e dão testemunho de um estilo de vida que vale a pena seguir.

Embora as leis sejam uma forma de impor estilos de vida mais sóbrios, e por isso a regulamentação é importante, a motivação é exterior à pessoa. Ora, a experiência de cada um é que a motivação para realizar algo vem sobretudo do interior e não do exterior. Assim, uma das formas mais eficientes de um estilo de vida ser mais ecológico passa pela preparação e formação das consciências. Um exemplo. Existem cerca de 75000 restaurantes em Portugal. Assumindo que, por dia, pelo menos 10 pessoas pedem um prato de arroz e deixam um bago de arroz no prato, se somarmos o peso de todos os bagos de arroz que isso traduz por dia e dividirmos por 400g que uma pessoa, criança por exemplo, poderia comer por dia para suprir as suas necessidades básicas em termos de calorias, todo esse arroz daria para alimentar – por dia, repito – 40 crianças. É significativo porque bastaria que alimentasse uma criança. Quando a partir de agora o leitor comer um prato com arroz, tem coragem de deixar bagos no fim?

Por outro lado, as questões ambientais atualmente envolvem outras áreas para além do ambiente natural onde se desenvolvem um enorme diversidade de ecossistemas. Envolve também a política, a economia, a cultura e talvez a mais humilde e importante vertente, a vida quotidiana. Embora a ecologia seja um assunto classicamente associado à ciência das relações entre o ser humano e o ambiente, atualmente isso pode deixar de fazer sentido, pois tudo está interligado com tudo, cada coisa com cada coisa, logo, é possível argumentar que a ecologia se torna, gradualmente, na ciência das relações. E este aspeto extravasa o âmbito científico e político, manifestando-se hoje também através das religiões. Em particular é de salientar o impacte que teve a recente encíclica do Papa Francisco Laudato Si que não se destina somente ao mundo Católico, mas revelou ser de um interesse geral sem precedentes na história. Isto é apenas o reflexo da ecologia como um assunto que une a todos, crentes e não-crentes, independentemente da raça ou nação. Assim, quando nos preparamos para tomar maior consciência do nosso estilo de vida e das repercussões que esse tem sobre o ambiente que nos rodeia, cresce e desenvolve-se a sensibilidade que permite um maior raio de acção em prol do meio ambiente. Se é atribuído à atividade humana a responsabilidade pelo estado do planeta, seguramente que à ação humana cabe o papel de fazer definitivamente alguma coisa por isso.

No dia 7 de maio, a CNAL (Comissão Nacional do Apostolado dos Leigos) uniu-se às diferentes iniciativas que se seguem ao COP21, de modo a contribuir para uma maior e mais consolidada formação das consciências. Embora seja uma iniciativa promovida por um organismo associado à Igreja Católica, a perspetiva dos temas permite perceber a abertura à diversidade de opiniões e experiências, incluindo algumas de pessoas ao nível internacional. Por outro lado, diversos painéis procuraram dar corpo à abordagem abrangente subjacente à Ecologia Integral proposta pelo Papa Francisco. Não menos importante é o facto de que esta ecologia integral inclui a humana, ou seja, o relacionamento entre as pessoas. Logo, uma vez que o mundo católico vive particularmente o ano da “misericórdia”, um tema que diz particularmente respeito à pessoa, alguns painéis serão dedicados a esta temática. A ligação entre ecologia e misericórdia é mais importante do que se possa pensar à partida. Misericórdia em termos concretos do quotidiano significa a possibilidade de recomeçar. É precisamente isso que impulsiona desde sempre o movimento ecologista em torno de iniciativas com a envergadura do COP21. A possibilidade de recomeçar. Como? Através do quotidiano. Afinal, a solução para a crise ambiental talvez estivesse desde sempre à frente dos nossos olhos … “todos os dias”.