Há pessoas que não acreditam em Deus que afirmam o seu ateísmo como o resultado de um processo racional. Será?

Uma vez numas Jornadas de Fé e Ciência organizadas em Braga, uma das observações que escutei à intervenção de um ateu foi “apenas concluiu o que pressupôs, ou seja, a inexistência de Deus”. Ou seja, a observação feita era a de que o processo dito racional era circular, partindo da ideia de aparente abertura à possibilidade de Deus, mas que interiormente verificamos já estar decidida.

Eu estou cada vez mais convicto de que Deus não existe como todas as outras coisas neste universo existem, mas sim que Deus é existência. Ou seja, onde assenta todo e qualquer processo passível de existir, seja ele racional ou relacional. Isto, na minha opinião, coloca a questão de Deus num outro nível de discurso que vai para além do que existe, ou deixa de existir.

Estas são as 3 características do nível de discurso em que estou a pensar.

1. Paradoxal

Falar de Deus é querer atingir o inatingível. O confronto com os paradoxos quando nos referimos a Deus podem ser uma causa para alguém iniciar um processo que acaba no ateísmo. Não porque Deus não exista, mas por ser difícil lidar racionalmente com os paradoxos que encontramos em Deus.

Eu penso que os paradoxos são importantes para nos desinstalar daquilo que pensamos saber e impulsionar-nos a querer saber sempre cada vez mais.

2. Pessoal

Mais do que uma realidade tão grande que se torna distante, Deus é uma Pessoa e no caso Cristão, faz-se pessoa. Isto pode fazer confusão, pois, parece limitar o nosso discurso sobre Deus, afastando-se de noções filosóficas para se aproximar de noções com base em experiências pessoais.

Se Deus é uma Pessoa com quem posso estabelecer um relacionamento, e se os meus relacionamentos se restringem ao seu nível material, muito dificilmente será introduzir no nosso discurso a experiência pessoal de Deus. Mas se fossemos rigorosos em tudo na nossa vida, como somos com Deus nesse aspecto particular, não haveria qualquer ligação emocional com uma pintura, um poema, uma música ou um livro.

O fruto da criatividade humana que hoje desfrutamos permite-nos um relacionamento ímpar com aqueles que lhes deram origem. Logo, se é possível haver relacionamentos pessoais que estão para além do tempo e do espaço, por que não admitir que é também possível com Deus?

3. Experiencial

Por muito português que escorra pelos comentários na web, ou livros, artigos, emails, ou chats, não há ideia mais forte do que uma experiência. A questão de Deus coloca-se essencialmente ao nível da experiência pessoal. Essa inclui a intelectual, mas não se reduz a ela. E a única forma de avaliar um relacionamento tão profundo como o que podemos ter com Deus, que entra no âmago e mais íntimo daquilo que somos, é através de uma experiência.

Já assisti a uma conversão através de um simples cântico na Catedral de Chartres que mudou completamente a vida de uma pessoa. Não é preciso muito para ter uma experiência. Basta estar um pouco aberto na mente e no coração.

Se o ateísmo for alguma vez o resultado de um processo racional, apenas significa que se fechou sobre um nível de discurso que enclausura a mente em zonas de conforto, passando das hipóteses que há partida rejeitam o paradoxo, a pessoa e a experiência, para as conclusões que confortam o pensamento.

Quero com isto dizer que todo o ateu se devia converter? Não. Quero apenas dizer que a única e mais correcta resposta que um ateu poderia dar ou desenvolver acerca da possibilidade de Deus seria… ”não sei.”

Aliás, é a mesma resposta que dá o crente. A diferença está em lidarmos com essa resposta de maneira diferente. Uns aproximam-se da possibilidade de Deus, outros afastando-se. Para mim, a questão de Deus será sempre marcada por um infinito ponto de interrogação que me leva sempre para além de mim mesmo e de tudo aquilo que possa pensar.

QUESTÃO: Até onde estás disposto a ir no nível de discurso sobre a possibilidade de Deus?